Ministério Público: “O problema é o controlo sindical, não o controlo político”

Membros do Conselho Superior do Ministério Público eleitos pelo Parlamento pediram para serem ouvidos pelos deputados. Jorge Lacão e PSD criticam “insinuações” de procuradores.

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LUSA/MIGUEL A. LOPES

Nem todos afinaram pelo mesmo diapasão, mas os cinco membros do Conselho Superior do Ministério Público que pediram para ser ouvidos esta terça-feira na comissão parlamentar de direitos, liberdades e garantias não fugiram ao assunto que marcou as discussões sobre justiça dos últimos tempos: a composição do órgão que integram, ao qual compete a gestão e a disciplina dos procuradores portugueses.

Têm uma característica comum estes cinco membros que transmitiram aos deputados as suas preocupações e frustrações: ao contrário da maioria dos colegas deste órgão, não são procuradores. Daí terem preferido que os deputados os ouvissem à parte, e não em conjunto com os outros membros. Dos quais se percebeu, de resto, que têm algumas razões de queixa.

A polémica estoirou há dois meses, quando o grupo parlamentar do PSD assumiu que pretendia fazer crescer o número de membros do conselho eleitos pelo poder político, em detrimento dos membros indicados pelo próprio Ministério Público. E ganhou maiores proporções depois de se ter percebido que o PS também admitia mudanças neste capítulo. A nova procuradora-geral da República ameaçou demitir-se, enquanto o Sindicato de Magistrados do Ministério Público marcou uma greve de três dias para este mês. Motivo? A possível ingerência do poder político nas investigações criminais, em especial naquelas que visam os titulares de cargos públicos.

"O fantasma do controlo político"

Será um perigo real? Há quem pense que não. E um dos cinco membros que quiseram ser ouvidos à parte pelos deputados, Barradas Leitão, foi particularmente claro sobre a matéria: “Tem-se agitado o fantasma do controlo político para esconder o verdadeiro problema: o controlo corporativo e sindical do Conselho Superior do Ministério Público”. Exemplo disso, para estes membros que não são magistrados, é a forma como este órgão se exime por vezes a aplicar penas disciplinares aos colegas que infringem as regras da profissão, ou como lhes atribui classificações demasiado empoladas para efeitos de progressão na carreira. “São todos muito bons. Se são classificados com um ‘bom com distinção’ recorrem logo: querem o ‘muito bom’”, descreveu outro membro do conselho, o advogado Castanheira Neves.

“A suspeição de corporativismo existe e é legítima – como também têm legitimidade as suspeitas relativas à interferência política”, admitiu, por seu turno, Magalhães e Silva, igualmente membro do conselho. Solução? Para este advogado, pode passar por abrir este órgão à sociedade civil. Integrando representantes das faculdades de Direito, por exemplo.

Mas o problema da composição do Conselho Superior do Ministério Público inscreve-se numa discussão mais vasta, a do novo estatuto desta classe profissional. E Barradas Leitão detectou vários problemas na proposta de diploma que está em discussão na Assembleia da República. Desde logo a possibilidade de os procuradores que acumularem mais serviço que o habitual poderem duplicar o salário, mas também a possibilidade de recusarem, sem apelo nem agravo, cumprir ordens para acumularem serviço ou para serem transferidos de tribunal.

“Esta disposição legal acaba com qualquer possibilidade de gestão dos quadros do Ministério Público”, avisou o jurista, que pertence ao conselho há década e meia.

Jorge Lacão e PSD criticam “insinuações” de procuradores

Os deputados ainda não tinham reagido às afirmações dos dirigentes do Sindicato de Magistrados do Ministério Público sobre eventuais alterações à composição do órgão responsável pela gestão e pela disciplina destes magistrados. Fizeram-no esta terça-feira, dia em que receberam na comissão parlamentar dos direitos, liberdades e garantias os dirigentes sindicais dos procuradores. Se tivesse sido no Facebook, seria um polegar para baixo.

A eventual redução do número de procuradores no Conselho Superior do Ministério Público fez o sindicato recorrer a palavras fortes em Dezembro passado: “Parece que a perseguição penal de quem enriqueceu, esbanjou e prejudicou o povo, o país e a democracia incomoda muitas pessoas dentro do Parlamento e fora dele. Há quem queira continuar com as velhas 'negociatas' que propiciam fortunas ilícitas sem o incómodo de quem as investigue e as apresente à justiça ". 

Os deputados não gostaram. “Este tipo de linguagem e de generalizações são absolutamente escusadas”, observou o social-democrata Carlos Peixoto, sem abdicar da ideia de acabar com a maioria de magistrados que existe naquele órgão. “O PSD não quer que o Ministério Público seja controlado politicamente”, assegurou. “Mas não pode eximir-se a um controlo externo, porque não existe órgão imune a esse tipo de controlo”.

Indo mais longe no seu desagrado, o socialista Jorge Lacão lamentou as “insinuações muito desagradáveis” feitas pelos procuradores acerca da idoneidade dos deputados. Sem se comprometer sobre a composição do conselho que sairá da Assembleia da República, Jorge Lacão antecipou mesmo assim o que poderá vir a acontecer: “Penso que a solução final continuará a assegurar uma maioria de magistrados”.

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