Saída dos privados da ADSE limita acesso a cirurgias

Se os principais grupos privados suspenderem as convenções com a ADSE, os beneficiários ficarão mais limitados no acesso às cirurgias, tendo de recorrer aos hospitais públicos, alerta João Proença.

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Rui Gaudencio

A eventual suspensão das convenções entre os principais grupos privados de saúde e a ADSE fragiliza o subsistema de saúde da função pública e poderá levar os beneficiários a recorrer mais ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) na área das cirurgias. O alerta é deixado por João Proença, presidente do Conselho Geral e de Supervisão (CGS), órgão onde têm assento os representantes dos beneficiários da ADSE, dos sindicatos e dos reformados e que vai analisar o assunto na reunião que já tinha agendado para a próxima terça-feira. 

O Ministério da Saúde (que tutela a ADSE em conjunto com as Finanças) assegura que "está a acompanhar a situação", mas não respondeu às perguntas do PÚBLICO sobre se tem assumido o papel de mediador no conflito entre os privados e a ADSE, e sobre os impactos das denúncias para os beneficiários. 

Na quarta-feira, o Expresso noticiou que vários grupos de saúde privados iriam suspender as convenções com a ADSE, concretizando uma ameaça que já tinham feito em Dezembro quando foram confrontados com a necessidade de devolverem à ADSE à volta de 38 milhões de euros facturados a mais. Em causa estão as convenções que permitem aos beneficiários da ADSE recorrer aos hospitais dos grupos Luz Saúde, José de Mello Saúde, Trofa e Hospital Particular do Algarve em condições especiais e com custos mais reduzidos.

Em comunicado, divulgado na quarta-feira ao início da noite, a ADSE garante que “não recebeu, formalmente, de nenhum destes grupos a comunicação da denúncia ou resolução das convenções em vigor”, mas também não desmentiu que a saída dos privados possa vir a ser uma realidade. Já nesta quinta-feira, o PÚBLICO contactou os vários grupos de saúde para confirmar se já formalizaram a denúncia das convenções, mas não teve resposta.

Apesar de não haver formalização, João Proença alerta que a ameaça “desestabiliza a ADSE” e, caso se concretize, “os beneficiários terão acesso a estes hospitais em piores condições do que têm hoje”. Ou seja, em vez de recorrerem a estas unidades de saúde privadas ao abrigo da convenção, terão de pagar as consultas e actos médicos do seu bolso (ao abrigo do regime livre) e ser posteriormente reembolsados pela ADSE.

O presidente do CGS reconhece que “estes privados têm um papel muito importante na área das intervenções cirúrgicas”. Se as convenções forem suspensas, ou a ADSE procura alternativas equivalentes, “ou passa a haver um maior recurso ao SNS” nessa área, antecipa.

“É evidente que a ADSE tem obrigação de encontrar soluções”, adianta. 

No comunicado de quarta-feira, a ADSE garante que "irá fazer novas convenções com outros prestadores se se vier a concretizar esta ameaça", mas não esclareceu que medidas estão a ser tomadas. 

Denúncia não será imediata

A suspensão dos acordos nunca será imediata, como lembra a ADSE no comunicado: "Existem prazos contratuais que constam das convenções que têm que ser cumpridos quando se procede à denúncia de uma convenção”.

O PÚBLICO procurou saber junto da presidente da ADSE, Sofia Portela, quais as regras previstas nas várias convenções para as denúncias, mas não teve resposta. Ao que foi possível apurar, algumas convenções assinadas entre a ADSE e os privados permitem a denúncia com um mês de antecedência, enquanto outras têm um carácter anual e só podem ser denunciadas 60 dias antes da data em que seriam renovadas.

Num cenário de denúncia ou suspensão de convenções, os beneficiários poderão continua a recorrer aos prestadores de cuidados de saúde privados através do regime livre. Isto significa que as pessoas adiantam o valor da consulta ou da cirurgia e depois a ADSE reembolsa uma parte da despesa. A título de exemplo, uma consulta ao abrigo das convenções tem um custo de menos de quatro euros para o beneficiário da ADSE, enquanto no regime livre a pessoa paga a totalidade da consulta e recebe um reembolso de 20 euros.

Ausência de diálogo, acusam privados

Na origem do diferendo entre os principais grupos privados e a ADSE está um mecanismo previsto há já vários anos e que foi accionado pela primeira vez em Dezembro do ano passado (as chamadas regularizações). Na prática, a ADSE não estabelece limites aos preços dos medicamentos, próteses e cirurgias praticados pelos privados, mas reserva-se o direito de vir a pedir-lhes o reembolso do que foi facturado acima da média.

Em Dezembro, a ADSE comunicou aos principais operadores privados com os quais tem convenção que teriam de devolver 38 milhões de euros relativos a facturações excessivas em 2015 e em 2016.

Na altura, alguns grupos privados de saúde criticaram a decisão e ficaram de dar uma resposta à ADSE, ameaçando denunciar as convenções.

Óscar Gaspar, presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) evita comentar as ameaças de denúncias de convenções agora tornadas públicas. "A verificar-se, é uma situação má para todas as partes: para os privados, que perdem utentes; para os beneficiários que ficam com menos opções, e para o SNS que vai ter de dar resposta a mais uns milhares de cidadãos", reconhece.

E lembra que esta situação é o resultado da "falta de diálogo". "Há meses que há um silêncio absoluto do lado da ADSE. A negociação foi interrompida em Outubro", assegura.

Além disso, defende, as regularizações têm de acabar. "Os hospitais não conseguem dizer, no dia 7 de Fevereiro de 2019, quais são os preços das próteses, dos medicamentos e dos procedimentos cirúrgicos [que a ADSE está disposta a pagar]".

O assunto também chegou ao Parlamento. O Bloco de Esquerda chamou, com carácter de urgência, a ministra da Saúde, Marta Temido, a direcção da ADSE e o presidente do CGS para que sejam dadas explicações. E o CDS desafiou o Governo a "encontrar um mecanismo negocial, definindo tabelas de preços, por forma a que esta ruptura não aconteça".

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