O "baixo clero" controla o Senado brasileiro e isso é bom para Bolsonaro

Vitória de Davi Alcolumbre sobre Renan Calheiros na disputa da presidência do Senado faz temer pela agenda de reformas económicas.

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A eleição de Davi Alcolumbre impõe o papel dominante do DEM no sistema político Joedson Alves/EPA

O Senado brasileiro tem um novo presidente, depois de uma disputa que se prolongou pelo fim-de-semana, madrugadas dentro, e que obrigou a uma intervenção do juiz-presidente do Supremo Tribunal. O objectivo era impedir que vingasse a estratégia de Davi Alcolumbre de fazer os senadores votarem num candidato revelando o sentido de voto, e não através de voto secreto, como estipula o regimento.

Foi uma vitória do "baixo clero" — como são designados os membros do Congresso brasileiro que não têm projecção política nacional. Mas, e isto é importante, Alcolumbre (Democratas, DEM) era o candidato apoiado por Onyx Lorenzoni, o actual ministro da Casa Civil do Presidente Jair Bolsonaro, responsável pela articulação com o Congresso, e também ele membro do "baixoclerismo". Tal como, aliás, o próprio Presidente Bolsonaro.

Alcolumbre, de 41 anos, não tem um currículo político impressionante. Diz o jornal Folha de São Paulo que foi vereador em Macapá (capital do estado do Amapá) de 2001 a 2002, deputado federal de 2003 a 2014 e senador desde então. Mas quase nunca participou de "movimentações políticas de relevo", diz o diário.

Este político de baixo calibre conseguiu afastar uma velha raposa — ou "raposa felpuda", na gíria política brasileira — como Renan Calheiros, que tentava ser eleito pela quinta vez presidente do Senado, apesar de enfrentar múltiplas acusações de corrupção.

Depois de muitas peripécias dignas de novela, que incluíram até votações repetidas — porque havia mais votos na urna do que senadores presentes —, Calheiros retirou-se da corrida quando se soube que Flávio Bolsonaro, o filho mais velho do Presidente, que está a ser acusado por suspeitas de lavagem de dinheiro e ligações a milícias do Rio de Janeiro, tinha votado em Alcolumbre e não nele. "Esse Davi não é um David, é um Golias", disse no Twitter.

Calheiros teve conversações com Bolsonaro para receber o apoio do Presidente. Mas essas negociações parecem ter-se esfumado face às ameaças da investigação judicial aberta sobre Flávio Bolsonaro — mais valerá ter um aliado seguro na presidência do Senado, que decide sobre o eventual levantamento da imunidade parlamentar.

Por outro lado, no equilíbrio de forças do Governo, fica reforçado Onyx Lorenzoni, que várias vezes tem feito declarações que o mostram numa rota diferente da do ministro da Economia e Finanças, Paulo Guedes — o timoneiro de todos os temas económicos na administração de Bolsonaro, e que tem como prioridade a reforma da Segurança Social e privatizações.

O novo presidente do Senado não fez no seu discurso de vitória nenhuma referência à agenda de reformas económicas do Governo, nota a agência Reuters Brasil.

Por outro lado, com a eleição de Alcolumbre e de Rodrigo Maia, na Câmara dos Deputados, o DEM ganha um poder de árbitro no sistema político brasileiro como nunca teve — sendo o partido mais à direita do espectro político brasileiro, antes de o PSL se ter tornado um fenómeno com o apoio à candidatura de Bolsonaro, transformando-se no maior grupo parlamentar a par do Partido dos Trabalhadores.

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