A felicidade pode saber a anho assado no forno

Num enquadramento único e inesquecível, apetece pedir um pouco mais da culinária e produtos da região. Essa é a verdadeira essência do restaurante do Hotel Porto Antigo.

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O anho assado no forno é um dos pratos mais afamados que saem da cozinha de Paula Espanhol
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Pode-se recorrer ao barco, que há um ancoradouro próprio, mas o normal é serpentear encosta abaixo até ao nível das águas para se chegar a Porto Antigo, no concelho de Cinfães. É aí que as águas revoltas do Bestança se amansam no Douro, formando uma ampla e serena baía que se alonga depois em direcção à barragem de Carrapatelo. O rio Douro é por aqui (como em muitos outros trechos) um cenário de encantamento. Um enorme espelho a reflectir os humores do universo, as cores da natureza, o céu, as nuvens e o brilho do sol. Apetece ficar sem tempo!

Porto Antigo é, como o nome indica, um ancestral aglomerado de casas, um lugar onde o tempo ensinou as gentes e os animais a conviver com o nível da água. E foi a partir de um centenário casarão de granito implantado no enquadramento único da confluência dos rios que há uns anos foi criado o Hotel Porto Antigo. A piscina sobre as águas da baía, o ancoradouro para barcos de recreio e o amplo terraço com laranjeiras e limoeiros que lhes está adjacente são chamarizes mais que suficiente.

É neste enquadramento que está o restaurante da unidade hoteleira, paredes de vidro e ampla sala em ambiente romântico e informal. À sala Serpa Pinto, como foi designada, acresce em tempo quente o convidativo terraço. A decoração elegante prima pela sobriedade, tudo em tons claros para absorver e potenciar a luminosidade e o reflexo das águas que entram pelas vidraças.

Mesas cobertas com mantel em algodão, serviço de louças e copos igualmente elegantes e sóbrios e adequados à função. Há um menu diário que procura reflectir a oferta de mercado e de temporada e uma carta fixa que às receitas regionais junta propostas mais fora da caixa. Massas e mariscos sobretudo, aquilo que muitas vezes se associa a inspiração mediterrânica. A regra é que aos domingos seja proposto um almoço buffet.

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O anho e o cabrito assados no forno são as especialidades regionais por excelência, mas também a lampreia à bordalesa para a temporada que agora se inicia, os bacalhaus ou a carne arouquesa constam da oferta regular do restaurante.

Como propostas do dia, a “sugestão do chefe” limitava-se por ocasião da visita da Fugas a um creme de legumes (2,50€); tábua regional (4,50€) como entrada; esparguete à bolonhesa (8,90); paelha à Porto Antigo (12,90); e anho assado no forno (12,90). Preços para doses individuais e a duplicar por cada outro comensal. A par da “trilogia de sobremesas” (4,50€), também uma intrusa “francesinha à Porto Antigo” (4,50€).

Convidativa a “tábua regional” (4,50€), com chouriça sanguínea, rissol de carne, bolinho de bacalhau, alheira (tudo em porções mínimas), e ainda fatia de presunto com cubos de melão e uma tigelinha de tripas com feijão. Com excepção do bolinho (flácido e sensaborão), produtos de boa origem, genuínos, e apurados de sabor, incluindo as tripas, mesmo que prejudicadas por terem sido servidas frias.  

Da carta, sensações contraditórias com o “Linguini nero com mexilhões” (12,90€), numa cativante apresentação e confecção culinária exemplar, mas com o complemento dos bivalves a expor em demasia o longo tempo de congelação e a resistir de forma elástica à mastigação. Uma pena, já que a massa, cozida no ponto correcto, untuosa e com tomate seco, estava uma delícia.

De muito bom trato culinário também os “Nacos de bacalhau com arroz caldoso” (12,50€), com os cortes (três) do lombo alto fritos em polme, secos, crocantes e a deixarem-se decompor em lascas húmidas e saborosas. Arroz com molho de tomate compacto e sabor intenso, com o acrescento de pimento verde e condimento de cominhos que acabavam por dominar sabor e aromas. Sendo excessivo, como era, parece previdente que a presença do condimento seja descrita na lista ou prevenida pelo serviço.

A felicidade chegou mesmo à mesa com o “Anho assado no forno” (12,90€). Assadeira em barro composta com pedacinhos de costelas, barriga, lombo e coxa do infante caprino com a gordura ainda a regurgitar. Batatinhas louras e impregnadas da gordura saborosa que se soltava das carnes, e o complemento do arroz de forno seco e impregnado pela mesma gordura. A essência do lugar absorvida em sabor e aromas únicos e inesquecíveis, num trato culinário deveras exemplar.

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Valente também a “Trilogia de sobremesas” (4,50€), com tarte de nata, torta de laranja e bavaroise de ananás. Todas muito bem executadas, mas mesmo assim com destaque para elegância e consistência da torta de laranja.

Tal como o menu, também a carta de vinhos é contida, mas mesmo assim com propostas sensatas que procuram abarcar a oferta por todas as regiões. Pelo lugar, e porque estamos no coração da região da casta Avesso, mais duas ou três propostas a juntar à dupla da carta parecem ajustadas e justificarem-se.

Com um serviço cordial e simpático e num enquadramento único e inesquecível, também pelo anho assado no forno bem se recomenda a viagem até este paraíso na margem esquerda do Douro. Mas sabe a pouco, quando se tem um cenário, condições e envolvente tão inspiradores.

Quanto à cozinha, a chef Paula Espanhol mostra competência e um claro domínio das artes culinárias, mas é também evidente o fosso de qualidade quando na mesa estão os produtos de origem local ou os que vêm de outras paragens. E esta é (ainda) mais uma razão a apontar para um assumir pleno da vocação de cozinha regional.

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