Serralves celebra 30 anos abrindo “uma nova era” com a Casa do Cinema

Joan Jonas, Olafur Eliasson, Pedro Cabrita Reis e Álvaro Siza são alguns dos nomes que Serralves irá expor em 2019, celebrando os 30 anos da fundação e os 20 do museu. Quanto aos futuros directores do museu e do parque, prometem-se notícias para breve.

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Ana Pinho com a directora interina do museu, Marta Almeida, e o responsável da Casa do Cinema, António Preto Nelson Garrido

A inauguração da Casa do Cinema Manoel de Oliveira como uma nova estrutura de pleno direito no interior de Serralves, dotada de uma equipa e de um espaço próprios, irá abrir “uma nova era”, disse esta sexta-feira a recém-reconduzida presidente da administração, Ana Pinho, no fim de um encontro matinal com a imprensa que serviu para divulgar a programação concebida para celebrar o 30.º aniversário da fundação portuense e os 20 anos da abertura do museu.

Uma programação que Ana Pinho descreveu como “extraordinária” e que, respondendo a uma pergunta de um jornalista, considerou que não se ressentia da saída do ex-director do museu, João Ribas, e da polémica que a sua demissão originou. “Mas tanto os jornalistas como o público poderão julgá-lo”, acrescentou, lembrando também que “as programações são sempre pensadas com algum tempo de antecedência”, numa sugestão de que seria impensável que o essencial das iniciativas anunciadas esta sexta-feira tivesse começado a ser preparado já após a saída de Ribas.

Sobre a escolha do futuro director artístico do museu, Ana Pinho disse apenas que haveria notícias "em breve", e que também o parque deverá ter um novo director ainda este semestre. 

Ainda antes de falar do que irá acontecer este ano, a presidente da administração fez um breve balanço dos números de Serralves em 2018, sublinhando que a fundação recebeu quase 950 mil visitantes, o que constitui um recorde e corresponde a um crescimento de mais de 13% face a 2017.

O primeiro destaque desta programação para 2019 ocorrerá já no próximo dia 29 com a inauguração de uma retrospectiva da britânica Tacita Dean, que trabalha sobretudo com filme analógico, mas é também conhecida pelos seus desenhos a giz sobre lousa. Com três grandes exposições em Londres ao longo do ano passado, o que a confirma como um dos nomes mais reconhecidos da arte britânica actual, a artista já expusera em Serralves em 2002. Neste seu regresso ao Porto, irá mostrar obras que abarcam todo o seu trajecto, desde o seu filme de estreia, de 1992, até uma obra realizada já nestes primeiros dias de 2019, explicou a directora interina do museu, Marta Almeida, prevendo que os visitantes da exposição, que ela própria comissaria, “vão ficar surpreendidos” com esta peça.

Como Ana Pinho já fizera notar na sua intervenção inicial, não sendo exclusivamente feita de regressos, esta programação de aniversário está deliberadamente povoada de artistas com ligações à história de Serralves. É o caso, aliás, da própria Joana Vasconcelos, que ali expôs em início de carreira, no ano 2000, e cuja exposição I’m Your Mirror, organizada pelo Museu Guggenheim de Bilbau, onde esteve patente até Novembro, poderá agora ser vista em Serralves a partir de 14 de Fevereiro.

A decisão de importar esta exposição gerou polémica, já que a ex-directora-artística Suzanne Cotter declarou que não a tinha programado, e o seu sucessor, João Ribas, também nunca assumiu que a iniciativa tivesse sido sua. Questionada pelos jornalistas, Ana Pinho afirmou que a exposição “foi proposta pelo Guggenheim de Bilbau, apresentada ao conselho de administração pela anterior directora, assumida pelo director que entretanto saiu e concluída agora pela equipa liderada pela directora interina".

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A exposição de Joana Vasconcelos no Guggenheim de Bilbau Luis Tejido/LUSA

Antes de referir as exposições de Tacita Dean e Joana Vasconcelos, Marta Almeida anunciara, na sua intervenção, que ia “enumerar três grandes nomes femininos”. O terceiro é a americana Joan Jonas, pioneira da vídeo-arte e da performance, cuja obra influenciou artistas de diversas disciplinas. Serralves vai dedicar-lhe uma grande exposição com inauguração prevista para 25 de Maio, e que incluirá recriações várias das suas performances históricas. Resultante de uma parceria com a Tate Modern, é comissariada por Marta Almeida e Paula Fernandes com Andrea Lissoni, do museu londrino. Já o catálogo que a Tate publicou desta exposição, que se apresenta como a mais completa que esta artista até hoje teve na Europa, tem como co-autor João Ribas.

Marta Almeida começou a sua apresentação da programação para 2019 com a exposição Celebrar a Colecção – Serralves 1989-2019, que abrirá em Julho e que dará aos visitantes, disse, “uma visão global dos artistas e obras que passaram pelo Museu de Serralves ao longo destas três décadas”. Comissariada pela “equipa curatorial do museu”, parece ser um dos casos em que a saída do ex-director terá obrigado a algumas alterações, já que a grande exposição comemorativa que este estava a preparar para o Verão de 2019 iria ser co-comissariada por ele próprio com os seus antecessores Vicente Todolí, João Fernandes e Suzanne Cotter. Um projecto que chegou a ser apresentado numa sessão que Serralves organizou com formadores.  

Da colecção de Serralves sairão ainda duas exposições monográficas: a da americana Susan Hiller, a abrir em Fevereiro, e uma retrospectiva de Paula Rego, com obras produzidas entre os anos 60 e o presente, que será inaugurada no Outono.

Prosseguindo o ciclo de Grandes Exposições do Parque iniciado em 2018 com Anish Kapoor, o artista islandês-dinamarquês Olafur Eliasson, conhecido pelas suas preocupações ambientais e pelas suas instalações e esculturas ao ar livre de grande escala, exporá no parque e no museu de Serralves no segundo semestre.  

Álvaro Siza: (In)disciplina, uma homenagem ao arquitecto do museu de Serralves (em Setembro), e o regresso de Pedro Cabrita Reis (em Outubro), com uma escolha de trabalhos que atravessará quatro décadas, são outras exposições previstas para a rentrée de 2019.

Andar na copa das árvores 

A apresentação do projecto e da programação inaugural da Casa do Cinema Manoel de Oliveira ficou a cargo do seu coordenador, António Preto, que salientou, como já o fizera Ana Pinho, a intenção de cruzar o cinema com outras artes. A inaugurar no primeiro semestre, em data ainda a anunciar, uma vez que as obras de adaptação e ampliação da antiga garagem do conde de Vizela, projectadas por Álvaro Siza, ainda não estão totalmente concluídas, a Casa do Cinema, que guardará o vastíssimo acervo do realizador, incluirá, entre outros espaços, uma sala de cinema e duas salas expositivas: uma para a exposição permanente e outra para mostras temporárias. Uma estrutura que permitirá, explicou o seu responsável, organizar uma programação assente em vários eixos: “exposições, ciclos de cinema, investigação sobre a obra de Manoel de Oliveira e sobre o cinema em geral, conferências, edições e programas educativos”.

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Manoel de Oliveira fernando veludo/NFACTOS

Para inaugurar a Casa do Cinema está prevista uma exposição que tratará das “múltiplas representações da casa na obra de Manoel de Oliveira”, adiantou António Preto, precisando que esta tomará como ponto de partida o filme Visita ou Memórias e Confissões, um caso muito particular na cinematografia do realizador, já que este o rodou em 1982, mas para ser exibido postumamente. Descontado um par de exibições muito restritas, a película só veio de facto a ser exibida cerca de um mês após a morte de Oliveira, em Abril de 2015. Centrado na casa onde o cineasta morou na rua portuense da Vilarinha, e que se preparava para abandonar nesse início dos anos 80, o filme “reflecte sobre o que era a sua obra até 1982, mas ninguém podia imaginar que ia também antecipar o que esta viria a ser, já que uma parte muito substancial dela estava então por realizar”, notou António Preto.

Essa ideia de um filme que olha ao mesmo tempo para o passado e o futuro pareceu ao coordenador da Casa do Cinema simbolicamente adequada para inaugurar uma estrutura que “terá como missão olhar para o cinema clássico e contemporâneo, mas também interrogar o que será o cinema do futuro, num momento em que este atravessa, pelo menos na sua configuração mais clássica, uma crise profunda”.

Outra exposição da Casa do Cinema será dedicada a Eugène Green, cineasta americano há muito radicado em França e que tem uma grande ligação com a obra de Manoel de Oliveira, e também com a cultura portuguesa, disse António Preto, lembrando que o seu filme mais recente se intitula Como Fernando Pessoa Salvou Portugal. Green apresentará em Serralves várias obras inéditas expressamente realizadas para esta exposição. E foi ainda desafiado a indicar alguns dos filmes que o marcaram no seu percurso.

Outro autor que receberá carta branca para escolher filmes a exibir na Casa do Cinema em 2019 é Álvaro Siza, a quem foi pedido que seleccionasse obras representativas da presença da casa no cinema. 

Com programação também já prevista nas áreas da curta-metragem e do cinema de animação, aqui com uma retrospectiva do trabalho de Regina Pessoa, a Casa do Cinema editará ainda um Catalogue Raisonné da obra Manoel de Oliveira, em parceria com a Cinemateca Portuguesa, e promoverá uma série de conferências que trará a Serralves, entre outros, o seu ex-director artístico João Fernandes, que falará da exposição que ali dedicou a Manoel de Oliveira em 2008.

No domínio das artes performativas, sector coordenado por Pedro Rocha e Cristina Grande, salientem-se as presenças, já em Fevereiro, da artista multidisciplinar americana Julianna  Huxtable e da coreógrafa cipriota Maria Hassabi. Em Março, Serralves receberá a coreógrafa sul-africana Robyn Orlin, e em Junho a artista sonora alemã Christina Kubisch virá montar as suas singulares instalações sonoras no parque.

O parque estará, de resto, como Ana Pinho sublinhou logo no início, muito em foco em 2019, com vários novos projectos, incluindo um ambicioso Tree Top Walk, um percurso construído em madeira que permitirá aos visitantes percorrer parte da mata ao nível da copa das árvores. Projectado por Carlos Castanheira e Álvaro Siza, está a ser cuidadosamente construído para evitar quaisquer danos ambientais.

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