Morreu Lopes e Silva, pioneiro da música contemporânea em Portugal

Compositor tinha 81 anos e apresentava-se como "gritarrista" e "manipulador de som". Dizia que o gosto pela música lhe tinha chegado "com os pássaros numa quintarola".

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José Lopes e Silva Facebook

O compositor José Lopes e Silva, pioneiro da música contemporânea em Portugal, morreu na quinta-feira, em Lisboa, aos 81 anos, informou o Movimento Patrimonial pela Música Portuguesa (MPMP), na sua conta oficial no Facebook.

Nascido em 1937, numa aldeia da região de Lafões, distrito de Viseu, Lopes e Silva era "um dos mais destacados membros do Grupo de Música Contemporânea de Lisboa" desde a sua fundação e autor de uma extensa obra instrumental, na qual as composições "para viola a solo ocupam um lugar preponderante", como destaca o MPMP no número da sua revista, Glosas, dedicado ao compositor, recordando também as suas obras vocais, de electroacústica e de teatro musical.

Discípulo do espanhol Andrés Segovia nos anos de 1959-1960, como bolseiro do Instituto Cultural de Madrid e da Fundação Calouste Gulbenkian, Lopes e Silva estudou ainda viola com Emilio Pujol no Conservatório Nacional de Lisboa, onde também trabalhou com Fernanda Chichorro. Em 1962 fixou-se no Brasil, ensinando no Conservatório de São Paulo até ao regresso a Portugal, em 1970, quando se entregou à música contemporânea e ao trabalho com os compositores Jorge Peixinho, Álvaro Salazar, Luís de Pablo e Filipe Pires.

Lopes e Silva fez parte do núcleo inicial do Grupo de Música Contemporânea de Lisboa (GMCL) e, com alguns dos seus membros, como Clotilde Rosa e Carlos Franco, fundou o agrupamento Quadrifonia, que estreou em Portugal importantes peças de Igor Stravinsky. Fez ainda formação em música antiga com o regente e musicólogo norte-americano Safford Cape, nos anos de 1960 e, na década seguinte, cursos de interpretação de música contemporânea para guitarra, além dos cursos de Darmstadt, sob orientação dos compositores György Ligeti, Mauricio Kagel e Cristóbal Halffter.

Em 1973, passou a leccionar no Conservatório Nacional, onde se manteve até 2000. Entre as obras de Lopes e Silva destacam-se Epígono, Nocturnal I e II, Biálogo, No Jardim das Delícias e Sub-Memória.

Ainda de acordo com a revista Glosas, do MPMP, José Lopes e Silva gostava de se apresentar como "'gritarrista' e manipulador de som".

Em 2012, os seus 50 anos de carreira foram assinalados com Guitarríadas XXI, um ciclo de concertos que passou por Lisboa, Cascais, Estoril e Santarém. Na altura, numa entrevista à mesma publicação, explicou que o gosto pela música tinha vindo "com os pássaros numa quintarola, no Calvelo, na região de Lafões", onde nascera: "Por todo o lado havia animais: patos, galinhas, pintassilgos, rouxinóis, cucos, rolas... À noite era outra sinfonia com grilos, corujas, mochos, cães... Havia sempre som, cânticos de toda a espécie, o vento, a chuva, as trovoadas de Maio." Por isso, a sua educação musical foi "a água, a luz, o som (...), tudo o que [o] rodeava", confessou.

Lopes e Silva recordou igualmente os anos iniciais de divulgação da música contemporânea em Portugal, durante a ditadura: "Foi uma luta tremenda, de sobrevivência. E acabou por ser também um espaço de resistência, com os concertos, o Jorge Peixinho com aquela euforia toda, e todos nós a apoiá-lo, na mesma direcção, até que chegou o 25 de Abril. Mas de 1970 a 1974 foi duro, muito duro."

As obras do compositor encontram-se parcialmente editadas em disco, na colecção Discoteca Básica Nacional da antiga PortugalSom (1995).

O velório de José Lopes e Silva realiza-se esta sexta-feira, na Igreja de Santo Eugénio do Bairro da Encarnação, em Lisboa. No sábado, será celebrada missa às 9h30, seguindo o funeral para o Cemitério dos Olivais.

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