"Só senti a bala": protesto contra intervenção da PSP no Seixal acaba com tiros de borracha na baixa de Lisboa

Jovem foi ferido com disparo de bala de borracha na testa. PSP diz que foi forçada a “dispersar manifestantes”.

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Imagem retirada de um vídeo feito pelo realizador João Salaviza durante os protestos

Depois da indignação nas redes sociais com um vídeo feito no domingo no bairro da Jamaica, Seixal, no qual se vê agressões entre polícia e moradores — entre eles uma mulher —, nesta segunda-feira várias pessoas saíram à rua contra “a violência policial”. A tarde terminou com confrontos entre manifestantes e agentes da PSP, na Avenida da Liberdade, em Lisboa, com pelo menos quatro cidadãos detidos.

Aos 18 anos, Júnior Dias ficou com um ferimento no centro da testa. “Não sei, não vi como fui atingido. Estávamos a subir, afastaram-se todos. Só senti a bala a acertar, não vi o polícia”, contou ao PÚBLICO no início da Rua do Carmo, já depois dos acontecimentos, pelas 19h30. Garante que não atirou nenhuma pedra. “Viemos por uma causa, a nossa igualdade.” Um dos amigos de Júnior Dias disse que viu serem atiradas pedras.

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O Comando Metropolitano de Lisboa confirmou que a PSP efectuou disparos de balas de borracha em resposta ao arremesso de pedras, num momento em que estaria a tentar encaminhar para o passeio manifestantes que ocupavam a faixa de rodagem. "Lançaram várias pedras da calçada e petardos contra os polícias, houve necessidade de dispersar os manifestantes e a intervenção sentiu necessidade de efectuar os disparos", disse Tiago Garcia, porta-voz do Comando Metropolitano, em declarações à Lusa. Afirmou ainda que havia agentes com ferimentos “leves” e vários automóveis civis danificados pelas pedras. Por seu lado, vários jovens que estiveram na manifestação declararam ao PÚBLICO que foi a polícia quem instalou o pânico.

No domingo, um homem foi detido pela PSP no bairro da Jamaica. A direcção nacional da polícia afirmou que moradores atiram pedras aos agentes e que o suspeito reagiu “de forma violenta à acção policial” — ficou sob termo de identidade e residência. O Ministério Público está a investigar, depois de a família e do SOS Racismo terem afirmado que iam apresentar queixa.

Em horas, foi convocado, nas redes sociais, um protesto em frente ao Ministério da Administração Interna, no Terreiro do Paço. A Lusa contabilizou cerca de duas centenas de manifestantes. Várias pessoas que estiveram no local referiram ter visto mais. Os desacatos ocorreram mais tarde, já na Avenida da Liberdade.

Uma jovem, Ariana Moreira, contou que chegou ao ponto de encontro por volta das 16h, não havia muita gente no Terreiro do Paço. Objectivo: “[Protestar contra] o abuso policial que nós negros sofremos — e os brancos que estão connosco também.”

Mal viram a polícia de intervenção, contou, começaram a dispersar. Subiram a Avenida da Liberdade “pacificamente”, mantendo a calma, explicou. Ficaram no Marquês de Pombal: quando desceram, eram “umas 30 pessoas na estrada, a polícia começou a correr e deixou muita gente em pânico”. “Não queríamos correr para não virem atrás de nós. Começaram a dar com cassetete nas pessoas. A mim cercaram-me. Pedi para me deixarem passar. Um polícia disse: ‘Vais para a merda do outro lado da rua.’ Veio outro policia por trás e empurrou-me, tropecei, fui quase abaixo. Tenho 19 anos, corpo de uma menina, e ele empurrou sem qualquer dó.” Ariana Moreira diz que viu muita gente a ser agredida, “brancos também”.

O realizador João Salaviza, que esteve na manifestação e acompanhou os manifestantes desde as 17h30, relatou por telefone ao PÚBLICO que um grupo subiu a Avenida da Liberdade em direcção ao Marquês de Pombal “de forma completamente ordeira e pacífica”, gritando palavras de ordem contra a violência policial e o racismo. “Havia polícias armados de shotgun. A determinada altura, o trânsito estava parado e esses carros começaram a buzinar em solidariedade. Alguns manifestantes aproximaram-se dos carros para agradecer. Não percebi muito bem como, oiço tiros e vejo toda a gente a correr. A polícia começou a varrer todos os que tinha pela frente e a quem tivesse associado à manifestação, segundo critérios cromáticos (cor da pele), batia com cassetetes. Acho que a maioria conseguiu fugir”, relatou o cineasta vencedor de um Urso de Ouro em Berlim e de uma Palma de Ouro em Cannes.

“Havia pessoas àquela hora que iam buscar os filhos à escola, a sair do trabalho, turistas a sair dos hotéis. A polícia transformou a Avenida da Liberdade numa espécie de guerra civil. Vi muita gente a dizer que tinha medo de estar perto dos polícias mas não dos manifestantes”, disse ainda.

"Eles, polícias, são a justiça"

Cerca das 20h ainda se concentravam no Rossio vários adolescentes e jovens por volta dos 20 anos, contestando não só a actuação das autoridades no bairro da Jamaica como a forma como a polícia geriu a manifestação em Lisboa.

Comentavam o caso. “Foi uma falta de respeito o que aconteceu com a mãe do rapaz no Jamaica”, dizia Helena Portugal. “Qual era o problema de pegar na senhora e algemar?” Mas, interrompe o amigo Jorge Jay, 18 anos, “nem devia algemar porque a senhora não fez nada". Ambos diziam-se revoltados com o que viram no vídeo da intervenção de domingo. “O jovem é culpado, mas a agressividade é incorrecta. Eles, polícias, são a justiça, supostamente o exemplo, quem nos devia transmitir segurança”, completava Ana Rita Victor.

No vídeo que se tornou viral, vê-se agentes da PSP a agredirem o casal Fernando Coxi, 63, e Julieta Joia, 52 anos, pais do jovem detido. A família acusa os agentes de uso excessivo e injustificado de força. Diz que os agentes não procuraram perceber o que passava nem tentaram acalmar os ânimos. “A polícia entrou a abrir. Vinha para bater”, disse este domingo Vanusa Coxi, testemunha e familiar dos envolvidos. 

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