Até passou na televisão...

Paradoxalmente os corifeus da desideologia prosseguem a sua campanha ideológica. Para que não se pense. Para que se absorva. Para que os cidadãos não passem de lorpas. Pensar é que nunca.

A ideologia que vai ganhando terreno por todo o mundo tem tanto medo das suas próprias ideias que as esconde, declarando-se vazia de ideias, assética.

Em suma, para esta desideologia, o que conta é o que cada um possui, pois todos podem ter o que quiserem, na base da nova doutrina liberal. Só os fracos, os que se excluem, os incapazes não alcançam o que pretendem.

As ideologias que se preocupam com a sociedade no seu conjunto são perniciosas. É preciso eliminá-las, tal como vêm proclamando Trump, Balsonaro, Orbán e outros tantos.

A saúde, a educação, a justiça têm de obedecer ao primado dos mercados e serem entregues a quem souber tirar lucro. O Estado é apenas uma grande empresa.

A beneficência dos poderosos, o seu deixar escorrer do topo da pirâmide para a base são a esmola que invocam, servindo-se dos Evangelhos.

O Estado mínimo é, por exemplo, no caso do Brasil, a atribuição aos cidadãos de umas quantas armas para que se possam defender. O cidadão é inimigo do cidadão, todos contra todos, ficando o Estado a intervir para proporcionar negócios aos que podem com o seu poder económico fazer o país andar.

Esta conceção ideológica passa também pela utilização da televisão para veicular doses cavalares de ingredientes de anestesia da consciência social, da pertença a uma profissão, a um território e até a uma identidade.

Para tanto o importante é absorver tudo que impeça de pensar o futuro em conjunto com os seus concidadãos. O que interessa é ingerir o que o rodeia, sem compreender a razão dos problemas.

Pela televisão entra tudo: fogos, desastres, corrupção, futebol, telenovela, noticiários, pesca, caça, touradas, o que for, sem ser preciso mergulhar no mundo podre circundante. Esse é o mundo das ideologias. O que conta é a realidade sem filtros, sem ideologias, dizem.

A televisão analisa o caso jurídico e dá a sua sentença; não perde tempo, como nos tribunais. Os tribunais buscam a verdade material, a televisão audiências e lucro.

Quando se diz que o “caso” até passou na televisão está claramente a assumir-se (consciente ou inconscientemente) que o que não passa na televisão, não existe.

Passa a desgraça das pedreiras de Borba, dos fogos, os meninos encerrados numa gruta da Tailândia, a queda de um avião e a explosão que o futebol proporciona.

Pode saber-se o que aconteceu à família de Ronaldo ou de Messi. Que interessam as desgraças do vizinho ou do companheiro de trabalho. Isso não releva. São os que têm uma “vidaça” que fazem inveja a qualquer um. Essas são vidas que passam na televisão.

É esta a ideologia que levou Trump a desfazer o pacote de saúde que nos EUA permitiam aos cidadãos fazerem seguros de saúde para acederem aos hospitais. Com Trump só entra no hospital quem puder. O Estado tem de ajudar os mais fortes, os que sabem dirigir a sociedade, tal como dirigem as suas companhias.

Paradoxalmente os corifeus da desideologia prosseguem a sua campanha ideológica. Para que não se pense. Para que se absorva. Para que os cidadãos não passem de lorpas. Pensar é que nunca.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

      

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