Um esclarecimento sobre o caso Mário Machado

Acho excelente – e merecido – que se critique a presença de Mário Machado na TVI. Acho absolutamente ridículo quererem fazer dela uma Manhã das Facas Longas à portuguesa.

Sou um colunista um bocado azarado com as críticas que me fazem, porque raramente aquilo por que sou criticado coincide com aquilo que efectivamente quis dizer. Aconteceu mais uma vez esta semana com Rui Tavares, a propósito do caso Mário Machado. Escreveu ele no artigo de segunda-feira: “Aproveito para responder à objecção de João Miguel Tavares, também nestas páginas, segundo a qual seria ridículo que alguém se importasse com a comparência do indivíduo na TV, tendo em causa a falta de representatividade que ele tem.” Como Rui Tavares não é daqueles que entorta os argumentos dos outros para fazer valer os seus, fui com certeza eu que me expliquei mal – permitam-me, pois, que me explique melhor, porque o assunto merece o esforço.

Ao contrário do que dá a entender Rui Tavares, eu não critiquei no meu texto as pessoas que se irritaram com a presença de Mário Machado na TVI, até porque essa irritação me parece perfeitamente legítima. Mesmo as almas mais radicais em termos de liberdade de expressão, como é o meu caso, nada têm contra pessoas que se indignam com coisas que outras pessoas dizem ou fazem. Eu passo o tempo todo a indignar-me com declarações, acções ou omissões. Aquilo que não aprecio é a passagem do “eu não gosto do que ele disse” para o “ele não devia poder dizê-lo”. Ou, no caso específico do convite a Mário Machado, passar de “Goucha não o devia ter convidado” para “Goucha não devia poder convidá-lo”.

Ora, na maior parte dos textos que li, essa passagem abusiva não ocorreu, de facto – como Rui Tavares refere no seu artigo, e muito bem. Donde, a esmagadora maioria das críticas à presença de Mário Machado no programa de Manuel Luís Goucha foi compreensível e absolutamente aceitável. O meu argumento nunca foi esse. Não era que dada a sua falta de representatividade ninguém se deveria importar que ele fosse à TV – era que a sua ida à TV não iria aumentar a sua representatividade. Às vezes a lógica é uma batata. Acontece-me muito dizer que o Manuel gosta da Maria e receber como resposta que estou completamente errado, já que a Maria não gosta do Manuel.

Em bom rigor, aquilo que neste caso me pareceu realmente pernicioso – e foi apenas isso que me levou a comentá-lo – foi a tentativa de transformar um acontecimento singular no sintoma de um mal-estar generalizado, como se aquele ridículo convite fosse representativo de uma ascensão planeada do fascismo em Portugal. Este sentimento de hiperbolização aumentou ainda mais quando o ministro da Defesa decidiu considerar o convite a Machado o terrível fósforo que poderia provocar, imagino que num futuro próximo, o incêndio de extrema-direita nacional. É um argumento profundamente hipócrita, para mais vindo de um político que pouco depois de tomar posse já tinha o seu chefe de gabinete envolvido em graves suspeitas.

A responsabilidade pela ascensão dos partidos extremistas e de figuras como Trump ou Bolsonaro tem a sua origem, em primeiro lugar, na erosão da política e dos partidos mainstream, devido à extrema dificuldade em se renovarem, alterarem o statu quo, e darem resposta aos sucessivos escândalos – de corrupção da classe política, de resgates da classe económica, de intervenções exteriores, de crescimento das desigualdades – que têm ocorrido um pouco por todo o mundo. Acho excelente – e merecido – que se critique a presença de Mário Machado na TVI. Acho absolutamente ridículo quererem fazer dela uma Manhã das Facas Longas à portuguesa.

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