Uma questão de embrulho

O Governo tem de perceber que a gestão de espectativas é crucial.

Um clássico de Natal é o embrulho de grandes dimensões colocado junto à árvore que vai suscitando todas as interrogações sobre o conteúdo. Depois, quando chega o momento, o feliz contemplado tem de ter o trabalho de desbravar resmas de papel até chegar a uma prenda bastante reduzida, que pode mesmo ser só uma brincadeira.

É difícil não olhar para o pacote das grandes obras públicas até 2030 anunciado pelo ministro do Planeamento e Infra-estruturas, Pedro Marques, sem pensar nesse jogo de Natal. O Plano Nacional de Investimentos que deverá ser apresentado ao Parlamento em Janeiro prevê verbas de cerca de 20 mil milhões para áreas como a ferrovia (a grande prioridade) aeroportos, portos e a expansão das redes de metro, entre outras.

Há razões para desconfiar do conteúdo do anunciado presente, mesmo sendo uma projecção para mais de dez anos, quando vem de um governo que, nas palavras do Presidente da República, viveu um mandato de algum “sacrifício ou adiamento de algum investimento público estruturante”. É estranho ver em título “Ligação Porto-Lisboa em menos de duas horas, promete Governo”, quando o executivo não consegue assegurar verbas para manter de forma decente a ferrovia em funcionamento, ou vai adiando constantemente os investimentos que ele próprio anuncia. E parece ainda mais fora de tempo, quando o próprio primeiro-ministro num recente debate parlamentar avisou: “Não podemos ter esta ilusão de que a economia a crescer torna tudo possível para todos e já.”

Em temporada de coletes amarelos (mesmo que pífios) e de acumulação de greves, o Governo tem de perceber que a gestão de expectativas é crucial. Anúncios de investimentos em ano eleitoral podem ter funcionado no passado, mas hoje correm o risco de ser só alimento para o ressentimento.

Feito o aviso, é importante sublinhar que este tipo de planeamento é crucial num país que, por exemplo, continua a viver a interminável história do segundo aeroporto para Lisboa ou que fez do TGV uma novela que nos levou a esquecer a ferrovia durante tempo de mais. Precisamos do acordo entre partidos para não estarmos sempre a começar do zero. Por isso planeie-se, encontrem-se os consensos, mas não se esqueçam de nos explicar muito bem onde vão encontrar o cheque para meter dentro do embrulho ou ficamos a achar que isto tudo é só papel, sem conteúdo.

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