Hospitalizações por anorexia nervosa duplicaram em 15 anos

Distúrbios alimentares provocaram quase 4500 hospitalizações entre 2000 e 2014. Um em cada três doentes é hospitalizado mais do que uma vez. Há registo de 25 mortes com anorexia nervosa neste período.

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Ricardo Silva

Em 15 anos houve quase 4500 hospitalizações no Serviço Nacional de Saúde (SNS) por causa de doenças do comportamento alimentar, como a anorexia e a bulimia nervosas. Um grupo de investigadores do Cintesis (Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde), em colaboração com a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, monitorizou as admissões hospitalares por distúrbios alimentares entre 2000 a 2014, para concluir que são muito frequentes os internamentos e que há mesmo casos em que se revelaram fatais.

“Os resultados revelaram que o número de hospitalizações por distúrbios alimentares se manteve estável ao longo dos anos em estudo, mas os casos de anorexia nervosa subiram de 12,8 por 1 milhão de habitantes para 23,7 em 2014”, revela a investigação publicada no International Journal of Eating Disorders. 

Uma quase duplicação de casos que Manuel Gonçalves-Pinho, médico de saúde pública e um dos investigadores principais a assinar o artigo, pede para ser interpretada com alguma cautela porque este "boom hospitalar" pode decorrer do aumento da incidência mas também pode ficar a dever-se a uma maior atenção a este fenómeno e ao maior número de diagnósticos.

Neste período, registaram-se 25 mortes com anorexia nervosa. “Estas pessoas foram hospitalizadas com anorexia e acabaram por morrer, mas não podemos dizer que isto aconteceu apenas por causa" deste distúrbio, esclarece.

"Doenças muito prevalentes"

Ao longo destes 15 anos, foram 3237 os doentes a necessitar de hospitalização e cerca de um terço necessitou de ser hospitalizado mais do que uma vez, revela o estudo. "Estas doenças são muito prevalentes e representam uma fatia elevada do orçamento", sublinha o médico.

Com a coordenação de Alberto Freitas, do Cintesis, os investigadores analisaram os registos clínicos de todos os hospitais públicos de Portugal continental, cedidos pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e previamente anonimizados.

É a primeira vez que é avaliado em Portugal o "panorama mais grave" dos distúrbios de comportamento alimentar. Há muitos outros casos de doentes que foram a consultas mas não necessitaram de internamento, explica Manuel Gonçalves-Pinho. Sendo a anorexia nervosa uma perturbação psiquiátrica complexa, em geral privilegia-se o tratamento em ambulatório e só em situações complicadas é que é preciso hospitalização. 

Este é também o primeiro estudo em que num país europeu se avaliam todas as patologias do comportamento alimentar. Além da anorexia nervosa e da bulimia nervosa, há distúrbios menos conhecidos, como a pica, que é a vontade anormal de ingerir produtos não-alimentares, como terra, moedas, carvão, etc, a doença da ruminação e o chamado vómito psicogénico, entre outros, que habitualmente não são objecto deste tipo de estudos. Ao longo deste período, três pessoas morreram, aliás, com o distúrbio de pica mas não há registo de óbitos de doentes com bulimia (comer compulsivamente e depois provocar o vómito).

Mulheres jovens

A anorexia nervosa é, de longe, a patologia mais frequente: mais de metade (54%) dos casos analisados são deste tipo e menos de um quarto (27%) foram classificados como distúrbios alimentares genéricos. A bulimia nervosa surge com muito menor frequência: 13% dos registos referiam-se a pacientes com esta perturbação. 

São sobretudo mulheres (87%) em idades jovens (média de 26 anos) mas já relativamente tardias, quando se sabe que muitos dos casos se iniciam na adolescência. Quanto à letalidade, a equipa de investigação observou uma mortalidade de 0,9% no caso da anorexia nervosa - as tais 25 mortes em quinze anos. 

A anorexia nervosa é possivelmente uma das mais letais patologias psiquiátricas, devido à desnutrição associada ao risco de suicídio, enfatizam os investigadores. Foram registadas 229 tentativas de suicídio no total, 5% nos casos de anorexia. Ainda assim, os dados revelam que o número de tentativas de suicídio acaba por ser maior entre os pacientes com bulimia (10%). Mas estes dados não estão completos. “Os casos de suicídio não constam da base de dados analisada. Só se internados ainda com vida. O que nos leva a supor que o número de mortes decorrentes de distúrbios alimentares deverá ser ainda mais elevado”, frisa Alberto Freitas.

Além da carga emocional e social que estes distúrbios representam para os pacientes, as hospitalizações representam um custo elevado que os investigadores estimam "em 21,5 milhões de euros, numa média de 1,43 milhões de euros por ano”. E este cálculo inclui apenas os custos directos do internamento. Os gastos com um doente deste tipo são mesmo mais elevados do que a despesa com o tratamento de doentes com esquizofrenia ou com pessoas com trissomia 21, nota Manuel Gonçalves-Pinho. 

As perturbações do comportamento alimentar são, pois, um conjunto de patologias com representatividade no panorama hospitalar. "A saúde mental e o estigma social que infelizmente lhes está associada podem contribuir para o atraso na procura de ajuda especializada junto do psiquiatra ou médico de família. Quanto mais tardia for a procura de ajuda mais difícil será o prognóstico e o tratamento”, avisa o médico, que insiste na "importância da educação para a saúde mental nas escolas”

Assinam ainda esta investigação Ana Margarida Cruz, João Vasco Santos, Francisco Coutinho e Isabel Brandão.

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