Tribunais reabertos terão mais julgamentos. Mas todos perguntam se haverá meios para os fazerem

Governo quer tornar obrigatórios julgamentos de acções cíveis até 50 mil euros nos tribunais sem magistrados residentes.

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Enric Vives-Rubio

O Parlamento aprecia esta quarta-feira na generalidade uma proposta do Governo que torna obrigatória a realização de julgamentos de acções cíveis nos chamados tribunais de proximidade, entre os quais estão aqueles que tinham sido encerrados em 2014 e que o executivo reabriu em 2017, mas com menos competências.

Porém, a maioria dos parceiros do sector da Justiça que foram ouvidos sobre esta intenção interroga-se sobre se existem os meios necessários para levar a cabo mais esta aproximação entre a justiça e as populações, em especial as do interior, uma vez que estes tribunais não têm magistrados residentes. A exiguidade e vetustez do parque automóvel do Ministério da Justiça não é o único problema, mas é dos mais bicudos: já obrigados a deslocarem-se aos tribunais de proximidade para os julgamentos dos crimes de menor dimensão, com esta imposição legal juízes e procuradores vão ter de aumentar o número de deslocações que fazem nos seus carros particulares. Muito crítica da proposta, que altera a Lei da Organização do Sistema Judiciário, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses já aconselhou os seus sócios a só usarem carros de serviço ou a fazerem transportar-se de táxi a partir de agora.

O Conselho Superior da Magistratura também se manifesta preocupado. Antevendo as implicações que mais tempo perdido na estrada trará à produtividade dos juízes, vai avisando, no parecer que enviou aos deputados, que é preciso “prever as condições materiais adequadas às deslocações, nomeadamente eventual disponibilidade de veículos”.

Quando colocou em funcionamento os 20 tribunais fechados pelo Governo PSD/CDS, a ministra da Justiça, Francisca van Dunem, garantiu que tinha assegurado toda a logística inerente à reabertura. Na verdade, não foi bem assim. No seu parecer sobre esta proposta, a Associação Nacional de Municípios alude ao problema dos meios técnicos, humanos e físicos “que continua a subsistir”.

“É fundamental que o Estado assegure condições dignas ao funcionamento dos tribunais”, preconiza a associação, reivindicando que os chamados juízos de proximidade voltem a ter competências por inteiro, como acontecia até 2014, em vez de serem meros balcões de atendimento com um julgamento de quando em vez, que é aquilo que sucede neste momento.

O Sindicato de Magistrados do Ministério Público mostra indignação: diz que o Ministério da Justiça faz propaganda para encher o olho, mas que é do pêlo dos juízes e procuradores que sairá tudo: “Pretende-se abrir mais tribunais com os mesmos magistrados e funcionários, anunciando-se com pompa esta medida sem que se assegurem os meios necessários. Quem irá ter de desdobrar-se e esticar-se até aos limites serão os magistrados”.

E a Associação Sindical dos Juízes Portugueses fala mesmo em populismo, numa tentativa de agradar ao eleitorado mesmo sem providenciar os recursos necessários à medida decretada, que implica que as acções cíveis até 50 mil euros sejam julgadas nos tribunais de proximidade – apesar de aqui não existirem “equipamentos electrónicos nem sequer códigos [civis ou penais] actualizados”. Nem isso nem, na maioria das situações, “condições mínimas de higiene, salubridade e segurança”.

O sindicato dos juízes dá alguns exemplos, como o do juízo de proximidade de Mira, em Cantanhede, onde, quando chove, “a água escorre pelas paredes interiores e alaga a entrada da sala de audiências, obrigando à colocação de baldes” no local. Devido às infiltrações, “há partes do soalho de madeira com buracos”. Além de tudo, assinala a mesma associação, “não se tem conhecimento de que a população exija uma solução” deste tipo: ao contrário dos processos-crime, que com frequência despertam o interesse das comunidades locais onde são praticados os delitos, os processos cíveis “pouco interesse têm para a comunidade”.

Por isso, o sindicato dos juízes está contra esta proposta. Mas nem por isso deixa de apresentar uma sugestão, por sinal idêntica à dos municípios: a retoma plena de funções destes balcões de atendimento, que voltariam assim a ser verdadeiros tribunais.

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