A reemergência (tóxica) do nacionalismo espanhol

O Vox é um partido que reivindica a unidade da Espanha e é hostil aos nacionalismos periféricos, ao basco e, sobretudo, ao catalão, tal como às autonomias

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Havia pouca gente a vangloriar-se: “Já to tinha dito”. O resultado do Vox na Andaluzia foi uma surpresa para partidos e analistas. Se as sondagens indicavam a sua entrada no parlamento andaluz, ninguém anteviu a dimensão da sua votação: 11%, quase 400 mil votos, ultrapassando a barreira simbólica dos 10%, e fazendo o sistema partidário nacional passar para um tabuleiro de cinco partidos. Mudam as regras do jogo. Tal como a crise partidária levou à emergência do Podemos, na extrema-esquerda, a mesma crise dá agora lugar a outro populismo, mas na extrema-direita. O impacto da eleição não pesa apenas sobre a Andaluzia, pesa sobre a Espanha e pesará sobre a Europa — nas eleições europeias de Maio.

“Terramoto andaluz” é o título do editorial do El País. Não é uma novidade de superfície mas um fenómeno profundo. Foi infirmada a tese da “imunidade ibérica” perante o nacional-populismo ou a extrema-direita. A hipótese de que um recente passado de ditaduras “actua como uma vacina contra os partidos de extrema-direita” volatilizou-se no domingo.

Abre-se um terreno desconhecido. Os partidos e os jornalistas não foram os únicos a serem apanhados de surpresa. Escrevia ontem num tweet o politólogo Alberto Penadés: “Não tínhamos uma teoria aceite sobre a ausência da extrema-direita em Espanha e há que inverter o rumo da hélice na nave politológica.”

As razões económicas não explicam a crise da política e este voto foi eminentemente anti-sistema. Houve uma desmobilização do eleitorado de esquerda e uma remobilização da direita e, dentro desta, uma fuga para o extremo. A grande maioria dos votos do Vox provém do Partido Popular (PP), mas não só. O PP perdeu 300 mil votos. Mas proclama vitória porque o governo socialista andaluz vai ser alijado do poder e porque o PP evitou ser ultrapassado pelo Cidadãos. O resto está por explicar: os 400 mil eleitores não serão todos de extrema-direita.

Direita e esquerda ter-se-ão equivocado. Com Pablo Casado, o PP antecipou uma guinada à direita para manter a hegemonia sobre a sua área tradicional. Os eleitores terão preferido o original à cópia, experimentado a novidade Vox. Casado “mordeu o isco” de Abascal, resumiu o analista José Antonio Zarzalejos. Também a esquerda é agora criticada por não ter combatido o programa do Vox, para o desvalorizar e para cercear a sua mediatização.

O Vox apresentou-se com um programa de extrema-direita — nacionalista, antifeminista e anti-imigração. Em nome dos valores da família cristã, quer abolir o aborto e o casamento gay.

Mas o eixo da sua ideologia não está no “machismo” e na xenofobia. É o nacionalismo. É um partido que reivindica a unidade da Espanha e é hostil aos nacionalismos periféricos, ao basco e, sobretudo, ao catalão. Defende a reconstituição de um Estado unitário e a supressão das autonomias, tal como a ilegalização dos partidos independentistas.

Nem todo o programa é para levar à letra. É a suma de muitas ideias a que o “povo de direita” é sensível. E a sua formulação é extremada para encostar o PP à parede. A sua votação dissolve também outra teoria: o Vox ultrapassa claramente o nicho ideológico qualificado nos estudos de opinião como “extrema-direita” e que valia pouco mais de dois por cento por cento da população espanhola.

O factor Catalunha

O primeiro consenso na imprensa dos últimos dias é o factor Catalunha, que tanto atinge o PP como o PSOE. “A principal conclusão desta votação é que a política espanhola está infectada até ao tutano pelo problema da Catalunha”, escreve o colunista Ignacio Varela no El Condidencial. “Uma infecção que continuará a supurar e contaminará todas as eleições que se celebrem enquanto a ferida continuar aberta. Andaluzia foi o aperitivo, mas nada nem ninguém escapará ao seu efeito tóxico.”

Mariano Rajoy é considerado responsável pelo fiasco catalão de Outubro de 2017. Também o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, está na berlinda, acusado de ter negociado a sua “tomada de poder” com secessionistas, como o Bildu basco e a ERC catalã. E, agora, de governar neles apoiado. A questão catalã foi um dos eixos principais da campanha eleitoral do Vox. Pergunta retoricamente o jornalista Carlos Cué: “A Catalunha matou Rajoy. Fará o mesmo a Sánchez?”

É cedo para perceber as consequências. O Vox coloca o PP perante um dilema estratégico. E também toda a estratégia eleitoral de Pedro Sánchez parece posta em causa. A sua política de conceber o eleitorado como uma “soma de minorias” confronta-se com o desafio global do nacionalismo da direita. A Andaluzia, com oito milhões de habitantes, tem capacidade para condicionar todo o quadro político nacional.

Falta o terceiro desafio: as eleições europeias de Maio oferecem ao Vox um terreno muito mais favorável. Se tiver sucesso, ajudará a alterar a relação de forças entre europeístas e populistas eurocépticos.

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