Portugal é o segundo país da UE em que a sida mais mata

Dados de 2017 mostram que também estamos no topo da lista de novos casos de VIH/sida por 100 mil habitantes. Um melhor trabalho de diagnóstico e de registo dos doentes pode justificar os números elevados.

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Guilherme Marques

Portugal está longe do pico da epidemia de VIH/sida de finais da década de 1990, mas as estatísticas ainda reflectem esses tempos. Pelo menos no número de mortes provocadas pelas doenças relacionadas com a infecção no estado de sida (principalmente pneumonia e tuberculose). Em 2017 foram 134. Na União Europeia (UE), só a Roménia ultrapassa este valor, com 170 óbitos. Isabel Aldir, coordenadora do Programa Nacional para a Infecção VIH e Sida, nota que “temos uma capacidade de registo muitas vezes superior à dos outros países” e que isso “às vezes faz com que os resultados pareçam piores” do que são na realidade.

Os dados provisórios sobre a epidemia na Europa constam do relatório anual publicado esta quarta-feira pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC, na sigla inglesa) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a propósito do Dia Mundial da Luta Contra a Sida, assinalado a 1 de Dezembro. Sobre o número de óbitos, o próprio ECDC nota que “não há estimativas sobre a subnotificação das mortes relacionadas com a infecção por sida”, mas que um inquérito realizado em 2006 dava conta de que isso acontece num terço dos países.

Como se caracterizam então estas 134 mortes que colocam Portugal no topo da lista? Segundo Isabel Aldir são dois perfis distintos. Por um lado, pessoas que viviam há muitos anos com VIH e, por outro, casos de diagnósticos tardios já com infecções oportunistas e complicações relacionadas com a própria doença e que “chegam tarde aos serviços de saúde” — como mostra o relatório do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa), publicado nesta terça-feira, mais de metade das novas infecções são detectadas tardiamente.

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É por isto que Isabel Aldir defende que este “não é o número mais importante” na avaliação das estratégias de combate à epidemia. Ainda assim, devemos “tê-lo presente”. Nomeadamente, nos casos que dizem respeito às mortes poucos anos após a infecção ser diagnosticada. Dados do Insa mostram que, em 2017, um em cada cinco novos infectados morreu no primeiro ano após saber que tinha a doença. “São os que mais merecem a minha atenção porque são indicadores dos diagnósticos em que se chegou tarde”, defende a responsável pelo programa de combate ao VIH/sida.

Mas há um dado positivo: o número de mortes por doenças relacionadas com o estado de sida tem vindo a diminuir e está no valor mais baixo dos últimos dez anos.

Um indicador mais relevante é a taxa de novos casos. Em 2017 foram diagnosticadas 10,3 infecções por 100 mil habitantes em Portugal — metade do valor de há dez anos —, o que nos coloca em quarto lugar entre os países da UE. Em primeiro surge a Letónia (18,8), depois a Estónia (16,6) e a seguir Malta (10,4).

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Mesmo este número não significa a derrota no combate ao VIH/sida. “Quando um país faz um investimento em mais testes”, então é “normal que se encontrem mais diagnósticos”.

António Diniz, antigo coordenador do Programa Nacional para a Infecção VIH e Sida, também defende essa ideia. “Este número pode ter a ver com um esforço muito maior de fazer novos diagnósticos”, nota. E se é claro que este valor, que teima em não baixar da casa dos milhares [foram 1068 em 2017], causa “alguma frustração”, também há que colocar as coisas em perspectiva. “O que é que importa mais? Ter 1000 casos no país e só fazer o diagnóstico de 200? Ou ter 1000 e diagnosticar 400?”, questiona o especialista a título de exemplo. A segunda opção, claro. “Mas o que apareceria no relatório seria a existência de 400 diagnósticos em Portugal. E outro país qualquer, com o mesmo número de infecções, seria apenas 200.” Isto para dizer que é preciso ir além da análise dos “dados em bruto”.

Na sequência da divulgação dos dados sobre a população infectada em 2017, pelo Insa, que revelaram que um em cada quatro tem mais de 50 anos, a ministra da Saúde sublinhou a necessidade de adaptar as respostas de combate ao VIH aos novos casos. "A evolução da terapêutica levou a que determinadas preocupações com a doença abrandassem”, disse à Lusa a responsável da tutela à margem de uma visita ao Centro de Reabilitação do Norte, em Vila Nova de Gaia. “Podemos imaginar que nalgumas camadas populacionais houve menor cuidado, levando a um retardamento da sua identificação.”

Diferenças “gritantes” na Europa

Mais do que tendências para cada país, o relatório do ECDC faz um retrato da epidemia na Europa. E uma coisa é certa, diz Isabel Aldir, as diferenças são “gritantes”. Dos 160.000 novos casos em 2017, 82% foram detectados nos países da Europa de Leste. Só a Rússia e a Ucrânia contribuíram com 75% do total de infecções diagnosticadas. O aumento nesta região é de tal forma elevado que acabam por apagar os “sucessos no resto da Europa”, aponta a coordenadora do programa para o VIH/sida.

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Tendo em conta estes números, o ECDC avisa que vai ser difícil atingir as metas da ONUSIDA para 2020. Para que tal aconteça será preciso que a percentagem de novas infecções diminua 78% durante o próximo ano. Mesmo entre os países da UE e do Espaço Económico Europeu, onde a taxa de novas infecções passou de 6,9 para 6,2 em cada 100 mil habitantes, será preciso uma redução de 74%.

Portugal está do lado “em que os resultados e evolução no combate ao VIH têm sido positivos”, advoga Isabel Aldir. Mas isso não deve ser motivo para que se baixem os braços. “Estando nós num mundo cada vez mais global temos de olhar para esse todo e tentar ver de que forma conseguimos trabalhar em conjunto”. 

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