Novo relatório da ONUSIDA tira troféu a Portugal nas metas para 2020

Mudança de universo contraria a fórmula de cálculo proposta pela própria ONUSIDA e por isso "é muito indutora de erro", alerta responsável da Direcção-Geral da Saúde. Em causa as chamadas metas 90-90-90.

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Autoridades portuguesas não descartam hipótese de Portugal já ter alcançado as três metas para 2020 guilherme marques

É sabido que também os números não são totalmente exactos e que aquilo que dão a ver depende em grande parte do modo como são analisados. O último relatório da ONUSIDA sobre a situação do VIH no mundo, divulgado nesta quinta-feira, é disso um exemplo paradigmático. E um dos resultados é este: por via de uma mudança na abordagem às três metas estabelecidas para 2020, Portugal aparece neste documento como tendo apenas atingido um dos objectivos quando na informação veiculada pela Direcção-Geral da Saúde (DGS) se tem insistido que já alcançámos dois.

As chamadas metas 90-90-90 da ONUSIDA estabelecem o seguinte:

  • em 2020, 90% das pessoas infectadas devem estar diagnosticadas;
  • destas, 90% devem estar em tratamento;
  • e, neste grupo, 90% devem ter uma carga viral indetectável, não podendo assim infectar terceiros.

Com esta fórmula, que foi a definida pela ONUSIDA em 2014, Portugal atingiu a primeira e a terceira meta: 91,7% das pessoas que vivem com a infecção estão diagnosticadas e 90,3% dos que se encontram em tratamento têm a carga viral indetectável.

A fórmula em vigor desde 2014 volta a ser repetida no relatório da ONUSIDA agora divulgado, mas com um percalço. No mapa onde se dá conta da situação de cada país face às metas 90-90-90, o universo de base é sempre o que serve de medida para o apuramento da primeira meta (o conjunto da população que vive com a infecção) em vez de se ir estreitando de patamar em patamar como previsto no modo de cálculo proposto pela organização.

Com esta mudança de foco todos os valores “são inferiores” aos que têm sido apontados, alerta ao PÚBLICO Isabel Aldir, coordenadora do Programa Nacional para a Infecção VIH, SIDA e Tuberculose. Por exemplo, no caso português a percentagem dos que se encontram em tratamento que têm a carga viral indetectável desce de 90,3% para 70%.

“Esta mudança é muita indutora de erro”, lamenta esta responsável da DGS, lembrando que os dados utilizados pela ONUSIDA neste seu relatório foram fornecidos pelas autoridades de saúde portuguesas e têm o mesmo ano de referência (2016) dos que têm sido apresentados em Portugal porque não existem outros mais recentes.

Clima de festa

Quando os dados provisórios relativos a 2016 foram divulgados, em Maio do ano passado, responsáveis da saúde e organizações não-governamentais receberam-nos com júbilo. A informação disponível dava conta de que Portugal já tinha atingido uma das metas para 2020 definidas pelo Programa Conjunto das Nações Unidas para o VIH/sida — ONUSIDA. Das 45.501 pessoas que se supõe estarem infectadas com o VIH, 90,3% estavam já diagnosticadas.

Os dados definitivos trouxeram outra boa notícia. Que é descrita assim no último relatório da DGS sobre a situação do VIH, divulgado em Julho: “Quando analisamos o número de pessoas que, estando a fazer terapêutica antirretrovírica, se encontram com carga viral indetectável, obtém-se o valor de 90,3%, correspondendo a 28.007 pessoas, o que nos permite concluir que o terceiro 90 foi igualmente atingido”.

Fica a faltar o segundo, sendo que a Direcção-Geral de Saúde não descarta que já tenha sido também alcançado. As próximas análises o dirão.

Quando da divulgação dos dados de 2016, Portugal foi desafiado pela ONUSIDA a ser o primeiro país a pôr fim à epidemia já que, segundo enumerou o vice-presidente desta organização, tem “provavelmente a legislação mais avançada do mundo”, protege contra a discriminação, e existe uma colaboração activa entre as autoridades e a sociedade civil na luta contra a epidemia.

Mortes com queda acentuada

Quanto à situação do VIH no mundo, a ONUSIDA dá conta, neste seu último relatório, que existem ainda cerca de 9,4 milhões de pessoas que desconhecer ter a doença, constituindo assim um risco de infecção para outros. A maioria dos indivíduos que vivem com VIH já ultrapassou, contudo, esta situação: 75% estão diagnosticados. E 21,7 milhões têm acesso a tratamento (59%) quando em 2010 eram oito milhões.

Segundo a ONUSIDA, a nível mundial os novos casos de infecção decresceram cerca de 16% desde 2010, passando de 1,9 milhões para 1,6 milhões. Maior quebra teve ainda o total de mortes associadas ao VIH: desde 2004, quando se atingiu um pico da mortalidade desta doença, houve uma diminuição de 51% no número de óbitos. Passou-se de 1,9 milhões de mortos em 2004 para 940 mil em 2017.

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