Eu estou com a CEU

Se o impasse na Hungria persistir, a CEU poderá tornar-se a primeira universidade europeia no exílio desde a Segunda Guerra Mundial.

Nos anos 1980, quando tinha 20 e poucos anos e vivia e estudava na Hungria comunista, havia um pin branco e azul que era cool usar. Era o pin do Círculo Danúbio (Duna Kör), um círculo oposicionista independente fundado em 1984 para lutar contra a construção de uma barragem no rio Danúbio, então em fase de projecto. O uso deste pin não estava isento de riscos políticos, mas era definitivamente cool tê-lo na lapela. Quando vi um colega na cafetaria da universidade, perguntei-lhe de imediato onde é que ele o tinha arranjado, embora fazendo um esforço para não parecer muito suspeita, na medida em que estava ciente de que a polícia secreta também gostaria de obter essa informação.

A história repete-se frequentemente de uma maneira estranha. Em Abril de 2017, o governo húngaro aprovou de forma extraordinariamente célere a chamada Lex CEU (Central European University), que torna impossível a esta universidade operar na Hungria. Essa emenda à nossa lei do ensino superior requer, entre outras cláusulas, que o curriculum, as contratações de docentes e o processo de selecção de alunos sejam regulados directamente pelos governos húngaro e norte-americano. As mudanças equivalem à imposição de um controlo político sobre uma das instituições universitárias mais bem-sucedidas no panorama europeu de ensino superior. Até agora, a CEU cumpriu todos os requerimentos, abriu um campus nos Estados Unidos, mas o governo ainda não assinou o acordo que lhe permitiria continuar a funcionar na Hungria, nem lhe comunicou se poderão existir requerimentos adicionais. Se o impasse persistir, a CEU será obrigada a transferir-se para Viena no Outono de 2019 e assim tornar-se a primeira universidade europeia no exílio desde a Segunda Guerra Mundial.

A CEU foi fundada em 1991 com o objectivo de lutar pela liberdade e combater o policiamento das ideias. Mal a intenção do governo foi tornada pública, a 28 de Março de 2017, a resistência começou. Essa resistência implicou também a produção de um pin azul, pois o azul é a cor oficial da CEU, com um slogan escrito em duas línguas, a branco: eu estou com a CEU. A história deste pin em larga medida assemelha-se à história do pin da minha socialização política do início dos anos 1980.

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Em primeiro lugar, voltou a ser cool usar esse pin. De sorriso aberto, as pessoas gritam do outro lado do passeio: Um País Livre, Uma Universidade Livre, Eu estou com a CEU. Ou então abordam-nos directamente na rua e perguntam-nos onde é que podem arranjar um pin. Felizmente, isto não é uma informação confidencial e na recepção do campus renovado da CEU em Budapeste qualquer pessoa pode receber gratuitamente dois pins (não me perguntem porquê apenas dois e não três, mas essa é a instrução que temos da nossa administração). Até finais de Abril de 2017, mais de dez mil pins foram aí entregues.

Em segundo lugar, e apesar do apoio esmagador que temos recebido, não é necessariamente seguro usar esses pins em público. Um dos nossos estudantes foi recentemente agredido num bar e o pin que estava afixado na sua camisola arrancado. Outro estudante no metropolitano assistiu, com estupefacção, a um homem mais velho chegar à sua beira, pegar numa caneta e começar a reescrever o slogan do pin que tinha no peito. Estas pequenas histórias mostram como o combate pela liberdade é uma luta sem fim. A liberdade foi o grande princípio inspirador dos fundadores da CEU em 1991. Entre estes fundadores estavam personalidades como Péter Hanák, Miklós Vásárhelyi, György Litván, para nomear aqueles que já não se encontram entre nós. Estes fundadores tiveram a experiência directa do controlo político e do policiamento das ideias. A mesma liberdade de pensamento está agora em risco com a nova lei do ensino superior que ameaça a própria existência da CEU.

Tal como no Círculo do Danúbio os contactos internacionais foram cruciais para travar a construção da barragem, o mesmo sucederá em relação ao combate pela sobrevivência da CEU. Basta atentar nas iniciativas dos nossos alumni de 117 países que vieram estudar para Budapeste, ou nas centenas de cartas de apoio que temos recebido, para perceber que o mundo inteiro está a observar esta situação, demonstrando a sua simpatia e apoio à resistência. De Pécs a Szeged, de Cambridge a Cluj ou Singapura, os nossos diplomados estão a enviar cartas e a organizar protestos juntamente com organizações académicas profissionais, e a receber apoio de políticos sem uma motivação partidária. Importantes intelectuais conservadores húngaros e instituições académicas públicas exprimiram a sua solidariedade com a CEU, como a Academia Húngara das Ciências em 2017. Contudo, em 2018, depois da retumbante vitória eleitoral do Fidesz, também a Academia Húngara das Ciências passou a ser visada pelas políticas governamentais, o que se traduziu na retirada, em Setembro de 2018, da acreditação a um programa de estudos de género aprovado em 2006, sem qualquer espécie de justificação ou lisura procedimental.

A carta de missão da CEU estabelece que os seus princípios básicos são os princípios da sociedade aberta. O actual governo húngaro anunciou que estes valores estão a dividir a Hungria e outras nações europeias segundo linhas partidárias. Isto é um logro. O que se está a tornar crescentemente claro é que são os valores da liberdade e da democracia que estão em jogo. Se estamos à procura de modelos e aliados, então temos de olhar para São Paulo, Nova Deli, Joanesburgo, Londres e Berlim, cujas lutas nos inspiram na nossa defesa da liberdade académica. A CEU pretende ser uma instituição aberta, bem-sucedida e em diálogo com o mundo. E esta é uma luta que tem de se relacionar estreitamente com a procura da solidariedade e da justiça social.

Em 1989, partilhávamos um mesmo sonho. Os fundadores da CEU, incluindo o actual primeiro-ministro Orbán, tinham a mesma aspiração. Sonhávamos com a construção de um país livre e próspero onde os académicos, e não os apparatchiks partidários, decidissem quem poderia ingressar na universidade, e que tipo de instituição poderia ser designada como uma universidade. Um país onde não fosse necessário usar um pin para lutar por certos direitos, mas se o escolhêssemos fazer, então que não tivéssemos de enfrentar violência e agressividade nas ruas. Esta Lex CEU é a traição do nosso sonho comum e as aspirações de 1989 estão a ser atraiçoadas pelo Fidesz. Eles talvez se esqueçam, mas isso não acontecerá com aqueles que estão a usar o pin azul #EuestoucomaCEU. E esses são um grupo cada vez mais numeroso, à semelhança do que sucedia connosco em 1984. Pelo menos, isso dá-nos alento para o futuro.

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