Riqueza produzida pelas PME portuguesas fica pela metade da média europeia

As micro, pequenas e médias empresas têm um peso crucial na economia portuguesa. E têm desempenhado um papel decisivo na recuperação do emprego e do produto nos anos pós-crise. Ainda assim, a sua produtividade situa-se em cerca de 50% das congéneres europeias.

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NFS - NUNO FERREIRA SANTOS

Uma simples viagem pelos subúrbios das grandes cidades ou pela paisagem meio rural, meio industrial de Guimarães ou de São João da Madeira dá para perceber a razão pela qual Portugal é, logo a seguir à República Checa, o segundo país da União Europeia com mais pequenas e médias empresas (PME) em relação à sua população – 98 PME por cada 100 mil habitantes. Mas o ar desolado de muitas dessas empresas industriais serve tanto como o aspecto dos cafés da aldeia ou da barbearia da esquina para se suspeitar que, na sua grande maioria, são negócios que produzem pouca riqueza. O relatório deste ano da Comissão Europeia sobre as PME comprova-o: a produtividade das empresas portuguesas com menos de 250 trabalhadores é cerca de metade da média europeia. Cada trabalhador português nessas empresas produz por ano 22 mil euros de bens e serviços.

As PME não financeiras são a principal mola da economia portuguesa, representam 68,4% do valor acrescentado e 78% do emprego (contra 56,8% e 66,4% da União Europeia), e se nos anos depois da crise deram um contributo essencial para a criação de postos de trabalho, continuam longe do padrão europeu de criação de riqueza.

Mesmo que as projecções da União Europeia apontem para uma aceleração da actividade destas unidades, estimando que serão capazes de criar mais 144.600 empregos este ano e o próximo, e ainda que a sua capacidade de criar valor acrescentado venha a aumentar 10,6% no período, Portugal continuará muito longe das médias europeias. O que custa a perceber tendo em conta os indicadores que a Comissão Europeia usa para avaliar o potencial das PME de cada país para concorrer na escala europeia. Portugal fica bem na fotografia do “acesso ao financiamento”, na “segunda oportunidade” concedida aos empresários que fracassam, na capacidade de resposta da administração e no capítulo das “técnicas e inovação”, e se está abaixo da média europeia em domínios como a internacionalização, nas “ajudas do Estado” ou nos prazos de pagamento das entidades públicas, porta-se melhor do que a concorrência ao nível do “empreendedorismo” ou no “ambiente” empresarial.

A origem da reduzida produtividade das PME nacionais depende de muitas variáveis de contexto, dizem os economistas, mas pode encontrar-se também na sua dimensão e nas áreas da economia em que se especializaram. No primeiro caso, Portugal é muito mais um país de microempresas do que de médias empresas. Das 868.639 PME nacionais, 95,2%, ou 828 mil, são empresas com menos de nove trabalhadores – entram neste domínio a galáxia das empresas familiares que vão da padaria da rua ao café da aldeia. As médias empresas, que empregam entre 50 e 249 pessoas, são apenas 5530 e, apesar da diferença em número, facturam por ano 17,8 mil milhões de euros, quase tanto com as microempresas (24 mil milhões de euros). As diferenças de escala não são muito significativas em relação ao padrão europeu. Mas o facto de na União haver 5,8% de pequenas empresas contra 4% em Portugal ou de 0,9% de médias empresas contra 0,6% em Portugal, pode ajudar a explicar uma parte da reduzida produtividade das PME nacionais.

Há então que procurar outras respostas nas áreas de actividade a que se dedicam – o relatório da Comissão Europeia não discorre sobre as causas da baixa produtividade das PME nacionais. Enquanto em países como a Áustria, a Holanda ou a Alemanha as PME se encontram na vanguarda das tecnologias e da inovação, baseando-se em negócios com alto valor acrescentado, as PME portuguesas são ainda um domínio dos pequenos comércios e, cada vez mais, do turismo. O relatório da Comissão Europeia nota que, nos últimos anos, o “forte crescimento das PME” dependeu em primeiro lugar do sector da ‘hotelaria e serviços alimentares’, que entre 2013 e o ano passado teve um impulso de 60,7% no valor acrescentado e de 22,8% no emprego. Ou das “agências turísticas”, cuja produção de valor aumentou 51,2%.

Ainda que com um peso menor, o relatório nota que “o ecossistema português de startups tem-se desenvolvido rapidamente nos últimos cinco anos”. Para esse desempenho contribuiu uma atitude acima da média por parte dos portugueses em relação ao empreendedorismo – há em Portugal uma maior valorização da carreira de empreendedor, o número de pessoas que desejava uma carreira de empreendedorismo é relativamente maior e os media nacionais concedem muito mais atenção aos novos negócios do que os seus pares europeus.

Um estudo europeu, o Startup Monitor, nota que os promotores das startups nacionais têm em 91% dos casos formação universitária e dedicam-se a negócios como a oferta de serviços de software ou de e-commerce. Em média, estas novas empresas empregam 8,8 trabalhadores e, no prazo de um ano, esperam recrutar mais 7,7 pessoas. Finalmente, ainda que o mercado único seja o seu principal alvo de actuação, as startups nacionais dirigem as suas atenções para o Brasil, África ou Médio Oriente numa escala muito superior às congéneres europeias.

Distantes do poder de criação de riqueza registado na Europa, mas a viver um ciclo favorável ao nível do aumento do volume de negócios e da criação de emprego e a registar nos últimos cinco anos um novo dinamismo nas áreas das tecnologias e da digitalização, as PME nacionais vivem um contexto favorável, diz a Comissão Europeia. Mas há riscos e obstáculos. Um dos mais notórios é o da burocracia. Mesmo que a simplificação administrativa dos últimos anos tenha tornado a vida mais fácil aos empresários, a proliferação de papéis é ainda um problema, até porque, como nota Ulrike Rabmer-Kolller, presidente SMEunited, a organização europeia que reúne os empresários, “as PME sofrem dez vezes mais os constrangimentos da burocracia” dos que as grandes empresas. Um dado do relatório é, a este propósito, especialmente revelador: as PME portuguesas precisam de 243 horas por ano para tratar dos impostos, contra 171 das congéneres europeias.

O jornalista viajou a convite da Comissão Europeia

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