Associação Transparência e Integridade acusa AR de “absoluto analfabetismo ético”

No parecer, pode ler-se que “a norma legal relativa aos conflitos de interesse não reveste natureza inibitória, eximindo os deputados dos seus deveres nos trabalhos parlamentares, antes é uma norma de transparência para conhecimento público”.

Foto
Subcomissão de Ética defendeu a escolha do deputado Carlos Peixoto LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

O presidente da associação cívica Transparência e Integridade não poupa nas palavras para criticar o parecer da Subcomissão de Ética da Assembleia da República (AR). Segundo o documento, não houve qualquer conflito de interesses ou impedimento que ferisse “a idoneidade e independência” da AR e de Carlos Peixoto. Em causa está o facto de o deputado do PSD ter sido escolhido para redigir um parecer sobre o projecto do Bloco de Esquerda, que pretende extinguir o programa dos vistos gold, quando é consultor de uma sociedade de advogados que tem interesse na área.

“O parecer é infelizmente uma ilustração banal da displicência com que o Parlamento sempre lidou com situações de conflitos de interesses ou má conduta ética”, reconheceu ao PÚBLICO João Paulo Batalha. Para este dirigente, a argumentação do parecer da Subcomissão de Ética “é uma admissão claríssima de que na AR as pessoas valem mais do que a instituição e é uma demonstração de absoluto analfabetismo ético”.

No parecer, pode ler-se, entre outros argumentos, que “não existiu qualquer violação da idoneidade e da independência” do deputado, nem da AR. Mais: “A opinião expressa pelo senhor deputado no relatório que apresentou em nada influi na decisão que sobre o mesmo a comissão adoptou, não sendo sequer essa parte do relatório passível de aprovação ou rejeição pela comissão, relevando apenas da livre apreciação a que os deputados têm direito.”

Os autores do parecer consideram que “a opinião pessoal do deputado” expressa no relatório sobre os vistos gold é “matéria” da “exclusiva responsabilidade” de Carlos Peixoto e que, “por isso mesmo, está expressamente retirada do juízo e da votação pela comissão, nos termos das regras regimentais há muito em vigor.”

No documento, está ainda escrito que “a norma legal relativa aos conflitos de interesse não reveste natureza inibitória, eximindo os deputados dos seus deveres nos trabalhos parlamentares, antes é uma norma de transparência para conhecimento público”.

Ou seja, acrescenta-se, a norma legal não é de inibição, “nem o poderia ser pela obrigação constitucional de todos os deputados participarem nos trabalhos e nas votações da AR, mas antes uma norma que visa tão só favorecer a transparência, assim se permitindo que nas opiniões e nas tomadas de posição, livres, dos deputados, sejam publicamente conhecidas as circunstâncias pessoais ou profissionais que os podem, ou não, influenciar”.

Professores e médicos

E cita-se um exemplo: um “deputado professor ou médico” “não está inibido de debater e decidir sobre matéria que importe nessas carreiras, pretendendo o Estatuto dos Deputados tão só que essa circunstância seja adequadamente publicitada, se for o caso”.

Contactado por Sara Madruga da Costa, a deputada relatora do parecer, Carlos Peixoto esclareceu ainda que “na sua actividade de advogado, como consultor da Sociedade Caiado e Guerreiro ou noutra qualquer qualidade, nunca interveio ou deu patrocínio forense em qualquer processo relativo” aos vistos gold. Por tudo isto, a subcomissão defende mesmo que, “nem numa interpretação descabida”, tinha “cabimento declarar esse putativo conflito de interesses”.

No início de Outubro, a Transparência e Integridade considerou haver um “conflito de interesses gritante” na escolha de Carlos Peixoto para redigir um parecer sobre o projecto do BE que pretende extinguir o programa dos vistos gold. A questão, acusou a associação cívica, é que o social-democrata trabalha para uma sociedade de advogados que tem os vistos gold como uma das áreas de interesse. O social-democrata defendeu-se, insiste ter direito, enquanto deputado, a uma opinião sobre o tema.

“Em primeiro lugar, não sou advogado de uma sociedade de advogados que trabalha nessa matéria. Sou um dos consultores dessa sociedade. Em segundo, esta sociedade não participou nem participa em nenhum projecto legislativo que diga respeito aos vistos gold”, disse na altura ao PÚBLICO o advogado. E acrescentou: “Em terceiro lugar, e mais importante, é que conheço o estatuto dos deputados. E a regra é da transparência e não da inibição de direitos. O único dever que tenho é dizer, no debate da AR, que sou consultor de uma sociedade de advogados que, como milhares de outras sociedades e de advogados em prática isolada, trata de vistos gold. Não estou inibido de dar a minha opinião sobre esta matéria”, diz.

Sugerir correcção
Comentar