Costa admite avaliar, mas BE quer “pura e simplesmente” acabar com vistos gold

O Governo abriu a porta a uma avaliação a seguir ao Oçamento. “Sem dúvida que a disponibilidade para analisar criticamente o assunto é positiva. Agora, o que o Governo vai retirar daí ainda é uma incógnita”, diz José Manuel Pureza.

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Bloco e PAN querem mudança de regime nos vistos Gold Enric Vives-Rubio

Apesar de não fechar a porta a qualquer ideia que pretenda limitar o regime dos vistos gold e mostrando-se agradado com o facto de o primeiro-ministro ter demonstrado disponibilidade para rever o programa, o Bloco de Esquerda insiste naquilo que é o essencial do projecto de lei do partido: “revogar, pura e simplesmente” aquela figura de autorização de residência em troca de investimento. O PEV admite que esta é “uma matéria a ser revista” e o PAN revela ao PÚBLICO que irá apresentar um diploma para extinguir “os actuais pressupostos” dos vistos dourados.

O assunto não entusiasma os outros partidos. O PCP está mais concentrado no Orçamento e, mais à direita, PSD e CDS não defendem alterações a uma lei que nasceu em pleno Governo Passos-Portas. Já os socialistas atiram a discussão para mais tarde. "O PS aguarda pela reavaliação do Governo", diz o líder parlamentar do partido, Carlos César, ao PÚBLICO.

O deputado do BE, José Manuel Pureza, assume a posição bloquista. O partido não rejeita outras ideias – como as defendidas pela deputada Helena Roseta, autora da proposta do PS para a Lei de Bases da Habitação, ou do autarca de Lisboa, Fernando Medina –, mas o objectivo último do BE continua a ser um: “revogar, pura e simplesmente, esta figura. Tudo aquilo que fique aquém disso, parece-nos, não cumpre os seus objectivos. Mas nós não estaremos evidentemente desinteressados de quaisquer passos que vão no sentido, e que se prove efectivamente que vão no sentido de, por exemplo, diminuir o potencial de especulação imobiliária”, diz José Manuel Pureza.

Em causa, está, por exemplo, a sugestão de Fernando Medina, para quem o programa podia ser adaptado às necessidades de cada região ou a ideia de Helena Roseta, segundo a qual os vistos gold podiam ser usados nas áreas de baixa densidade populacional ou para recuperar casas que fossem, depois, disponibilizadas a preços acessíveis. “Eu não lhes chamo vistos gold nesta lei de Base, mas sugiro que esse investimento, que é importante, deve ser direccionado. Eu gostava de vê-lo direccionado para o interior e para os programas de arrendamento acessível”, explicou a deputada numa entrevista ao PÚBLICO.

“Não estamos aqui numa lógica de tudo ou nada. Não é isso. Essa solução [de Helena Roseta] é uma solução que analisaremos com cuidado, com interesse. Agora, não resolve o essencial”, continua Pureza, frisando que “o essencial é aquilo que foi apontado no relatório da Transparency International: a propensão provada, em todos os países que têm regimes de vistos gold, de uma articulação muito forte entre crimes de corrupção, criminalidade económica e, no caso português, também esta duplicidade, este dualismo tão grande, tão obsceno, no plano político e moral, entre quem compra autorizações de residência, porque tem muito dinheiro, e quem tem um calvário, porque não tem dinheiro”.

Critérios mais rígidos

No mesmo dia em que foi conhecido este relatório, o tema voltou à Assembleia República. A 10 de Outubro, no debate quinzenal, a coordenadora do BE, Catarina Martins perguntou ao primeiro-ministro se estaria disponível para revogar o programa e António Costa respondeu estar disponível para o avaliar fora do Orçamento do Estado, sugerindo que se visse o que se passa nos outros países “para não haver desigualdade fiscal.”

Sem indicar caminhos, o Partido Ecologista Os Verdes reconhece que os vistos gold “poderão ter um impacto positivo do ponto de vista económico”, mas admite que o regime de atribuição tal como está estabelecido abre a porta a situações “absolutamente inaceitáveis”.

“O actual regime permite, por exemplo, que quem tem dinheiro possa comprar o direito de residência e um cidadão que vem para o nosso país trabalhar num sector como a construção civil, hotelaria, etc, não consiga o visto de residência. É esta dualidade de critérios que para Os Verdes é preciso rebater, tornando-se uma matéria a ser revista”, reconhece o partido em resposta ao PÚBLICO sobre se defende mudanças neste regime.

Já o deputado André Silva, do Pessoas-Animais-Natureza, defende que “a autorização de residência para actividade de investimento não deve ser estigmatizada mas sim adaptada a investimentos estruturalmente importantes para o tecido social, económico e ambiental do país”. Por isso, o PAN irá apresentar uma proposta de lei que visa extinguir os actuais pressupostos dos vistos gold, “maioritariamente ligados à captação de investimento no sector imobiliário de luxo e na transferências de capitais”. A ideia deste partido é estabelecer “critérios mais rígidos e definidos de investimentos, nomeadamente na criação de empregos sustentáveis e de longa duração, tal como em áreas estruturais como a preservação do ambiente”.

PSD contra fim

Como seria de esperar, PSD e CDS, que em 2012 introduziram na lei a figura da “autorização de residência para a actividade de investimento”, são contra o seu fim. Em 2015, ainda antes de o anterior Governo ter aliviado as condições do investimento necessário – reduziu de 30 para 10 os postos de trabalho a criar e abriu o leque aos investimentos na cultura, no património e em fundos de capitais -, a revogação dos vistos gold foi chumbada pela direita e pelo PS.

No parecer sobre o diploma deste ano do Bloco, o deputado Carlos Peixoto, vice-presidente da bancada do PSD, defende que as vantagens deste regime dependem da sua “fiscalização e controlo”, ou seja, da “verificação concreta e rigorosa de cada candidatura”. Carlos Peixoto realça que a “eventualidade” de os vistos gold “poderem, em abstracto estar associados à prática ou ao encobrimento de crimes” não pode ser justificação para a revogação do programa. Se for esse o caso, pode-se sempre revogar a autorização e expulsar os cidadãos infractores.

O deputado argumenta com o impacto social (a entrada de famílias) e económico (com poder de compra alto), mas também com o “interesse directo e indirecto” que o país desperta em mercados estrangeiros na área turística. Acabar com um programa que tem tantos “benefícios e oportunidades” pode ter um impacto mais negativo do que os efeitos nefastos que o Bloco lhe aponta, diz Carlos Peixoto.

O vice-presidente da bancada do PSD aproveita para deixar, no entanto, alguns reparos ao funcionamento dos vistos gold: o Estado tem-se demitido da promoção institucional do programa, o que tem levado a que este seja visto preferencialmente como um instrumento para o mercado imobiliário e menos para o empresarial e científico; o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras demora muito tempo a avaliar os processos; e as estatísticas não incluem os resultados do Visto do Empreendedor que tem um custo de 10% dos vistos gold. com Sónia Sapage

Leia aqui como funcionam os vistos dourados noutros países europeus.

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