O aliado de Orbán que PSD e CDS querem a dirigir a Europa

O PSD apoia como candidato a presidente da Comissão quem quis punir Portugal contra tudo e contra todos — e protegeu Orbán enquanto este espezinhava os valores da União.

Ontem o partido mais poderoso de que menos gente ouviu falar, o Partido Popular Europeu — de que PSD e CDS fazem parte e que desde o início deste milénio dirige os destinos da União Europeia a partir da Comissão e do Conselho —, escolheu o seu candidato a presidente da Comissão Europeia. Fixe este nome, se não o conhece ainda: Manfred Weber. O eurodeputado bávaro de 46 anos será o candidato em que vai votar, se votar nos partidos portugueses que pertencem ao PPE nas próximas eleições europeias.

Caso siga as pisadas dos dois anteriores candidatos do PPE, Durão Barroso e Jean-Claude Juncker, e chegue a presidente da Comissão, Manfred Weber será o responsável por introduzir legislação no Parlamento Europeu e no Conselho da UE, o negociador de cada orçamento da União, o líder de um terço da troika, se alguma vez voltar a existir uma e, entre muitas outras coisas, talvez a palavra mais decisiva no momento de aplicar ou não sanções aos países da UE em caso de incumprimento orçamental.

Este último ponto é particularmente importante, porque sabemos como Manfred Weber se comportou quando essa questão foi colocada no passado, e de uma forma que dizia diretamente respeito a Portugal. Em junho de 2016, Weber foi o autor de uma carta enviada à Comissão pedindo que fossem aplicadas sanções a Portugal e Espanha num momento em que os orçamentos de ambos os países estavam a entrar em linha com os limites previstos pelas regras europeias. Podemos debater a sabedoria dessas regras, mas aplicar sanções quando os países estão em trajetória de cumprimento releva da mais pura e simples vontade de punição. De tal forma que o conselho de Weber foi descartado pelos atuais comissários europeus, porventura alguns dos que espera vir a dirigir no futuro.

Ainda antes dessa carta, porém, Weber já tinha alertado para o “perigo” de Portugal ser governado pela esquerda. O que é curioso — e aqui pedirei um esforço ao leitor para ver neste emprego da palavra “curioso” um eufemismo para “chocante” — é que Manfred Weber não é consistente na sua inflexibilidade para com os governos dos Estado--membros. Duro com governos de esquerda em matérias orçamentais, Weber torna-se surpreendentemente — no sentido, se formos a ser rigorosos, de “desavergonhadamente” — cooperante com governos de direita em matérias de violação de direitos fundamentais e valores democráticos. Se o faz por estratégia ou por indiferença, por convicção ou carreirismo, não creio que alguém o saiba. Mas o que toda a gente sabe é que Weber foi desde sempre o maior aliado de Viktor Orbán no Parlamento Europeu. E isto não é de hoje, mas desde 2010, quando Orbán começou por aplicar o seu programa de “democracia iliberal” contra a imprensa, primeiro, e os tribunais depois. Vi eu de perto Weber protelar, desviar, distorcer e mentir descaradamente, se necessário, para impedir qualquer ação contra as violações de princípios e valores da UE que Orbán maquinava a partir de Budapeste. E ouvi muitas vezes os eurodeputados do PSD, em privado, confirmar este quadro de comportamento de Weber e até acrescentar alguns detalhes da sua lavra, o que torna ainda mais surpreendente — no sentido da palavra que empreguei acima — que o PSD tenha ido para o congresso do PPE com apoio declarado a Weber, o maior aliado dos piores ataques aos valores da União (o CDS deu liberdade de voto aos seus delegados no congresso do PPE, mas pelos procedimentos que o próprio PPE propõe, cada voto no CDS será também um voto em Manfred Weber).

Já sei que o PSD vai tentar branquear o comportamento pró-Orbán de Weber alegando que este último, enquanto líder parlamentar do PPE, acabou por dar parecer favorável ao voto pela ativação do artigo 7.º (previsto pelos tratados para casos de violações dos valores fundamentais da UE, consagrados no artigo 2.º do Tratado de Lisboa como sendo, entre outros, a democracia, os direitos humanos e o Estado de direito) contra o Governo de Orbán. Mas Weber fê-lo apenas quando não teve mais hipótese de recuar e previamente para se assegurar de que chegaria ao congresso do PPE com hipóteses de ganhar, como ganhou. Isto também toda a gente sabe. Tanto que mais uma das “pseudolinhas vermelhas” de Weber em relação a Orbán — o respeito pela liberdade académica — caiu recentemente, quando a Universidade da Europa Central anunciou que teria de sair da Hungria pela perseguição que o Governo húngaro lhe tem movido, e Weber assistiu impávido a mais esta vilania de Orbán e a este dito-por-não-dito seu.

Portanto é a este miserável ponto que chegámos: o PSD apoia como candidato a presidente da Comissão quem quis punir Portugal contra tudo e contra todos — e protegeu Orbán, enquanto este espezinhava os valores da União. E cada voto no PSD e no CDS nas eleições europeias será um voto para o eleger. Infelizmente não é surpreendente. Mas lá que é vergonhoso é.

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