Doze empresas portuguesas embarcam em consórcios para o centro espacial dos Açores

Divulgados os resultados da primeira fase da criação de uma base para lançar pequenos foguetões da ilha de Santa Maria. Seguir-se-á, no início do próximo ano, o lançamento de um concurso internacional. A meta é ter foguetões a descolar com satélites daqui a três anos.

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Ilha de Santa Maria, Açores Rui Soares

As empresas aeroespaciais de todo o mundo tinham sido convidadas no final de Setembro para manifestarem o seu interesse, até 31 de Outubro, na criação de um centro espacial nos Açores. Agora o ministro da Ciência, Manuel Heitor, anunciou os resultados dessa auscultação: 14 consórcios internacionais, que incluem 12 empresas portuguesas, manifestaram interesse em conceber, instalar e operar um centro espacial nos Açores, na ilha de Santa Maria. O lugar de Malbusca, no Sul da ilha, reúne o consenso, diz Manuel Heitor, como a melhor localização para se começar por aí a instalação da base espacial.

Entre os 14 consórcios encontram-se empresas de vários países: 11 da União Europeia, duas dos Estados Unidos e uma da Rússia. Um é liderado por uma empresa portuguesa – a Valispace. Estas empresas, segundo um comunicado do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, “declararam interesse em actuar em toda a cadeia de valor associada à nova geração de serviços de lançamento de pequenos satélites para o espaço”.

Sete dos consórcios apresentaram propostas relativas a novas soluções de acesso ao espaço usando pequenos foguetões (ou microlançadores), enquanto os restantes sete consórcios fizeram propostas sobre produtos e serviços de engenharia e software e, ainda, para as infra-estruturas terrestres de um centro espacial. “Para termos lançamentos de baixo custo e baixo impacto ambiental, que preservem a biodiversidade açoriana, têm de se desenvolver novas tecnologias, sobretudo combustíveis líquidos, que não envolvam os combustíveis sólidos usados na maioria dos lançamentos”, diz ao PÚBLICO Manuel Heitor. “A ênfase dos concorrentes é darem prioridade a novas tecnologias de baixo impacto ambiental.”

A meta final é ambiciosa. Em meados de 2021 – daqui a apenas três anos –, espera-se que os primeiros foguetões estejam a descolar dos Açores com pequenos satélites a bordo, oferecendo esses serviços de transporte para o espaço a vários operadores.

Diferentes plataformas na ilha 

Façamos, antes de mais, um pequeno apanhado deste projecto. Publicamente, o ministro  mencionou pela primeira vez a ideia de uma base espacial em Santa Maria em Abril de 2017, numa conversa com jornalistas, dizendo que aquela ilha açoriana era apontada num estudo da empresa aeroespacial Airbus como um local bem posicionado para construir uma base espacial de onde partiriam foguetões que lançassem em órbita terrestre pequenos satélites.

Poucos dias depois dessa revelação, a criação de uma base espacial nos Açores foi um dos assuntos discutidos numa cimeira ao mais alto nível na ilha Terceira (com delegações de 29 países), onde esteve por exemplo o director-geral da Agência Espacial Europeia (ESA), Johann-Dietrich Wörner. Em articulação com a instalação de um centro espacial nos Açores, o outro assunto em cima da mesa nessa cimeira foi a criação do Centro Internacional de Investigação do Atlântico (AIR Centre, em inglês), com uma abordagem integrada do espaço, da atmosfera, do oceano, clima, energia e ciência de dados, para responder aos desafios globais do Atlântico.

Menos de um ano depois da cimeira, em Fevereiro último, o Ministério da Ciência divulgou os resultados de um relatório que encomendou à Universidade do Texas em Austin (EUA) e que deu um parecer favorável à instalação de uma base espacial para lançar pequenos satélites nos Açores. Dizia-se que era “tecnicamente viável” e apontava-se já a ilha de Santa Maria (o lugar de Malbusca, na freguesia de Espírito Santo) como o melhor lugar para o fazer, ressalvando-se a necessidade de mais estudos sobre a viabilidade financeira do projecto, a segurança ou o impacto ambiental.

Por fim, em Julho deste ano, um outro relatório elaborado pela empresa portuguesa Deimos Engenharia em parceria com a empresa britânica Orbex, no âmbito de um concurso lançado pela ESA para análise da viabilidade técnico-económica de pequenos foguetões na Europa, confirmava Santa Maria – e Malbusca – como um bom local para lançar foguetões. Nesse concurso da ESA, estavam ainda outros estudos, que foram apresentados esta terça-feira na sede da ESA, em Paris.

Além dos Açores, na Europa há mais três locais apontados para lançar pequenos satélites – a Suécia, Noruega e a Escócia, que é o mais avançado. “Com o ‘Brexit’ em curso, despertou interesse internacional a criação de um porto espacial noutro sítio”, nota Manuel Heitor.

Depois do relatório da Deimos Engenharia, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (tutelada pelo Ministério da Ciência) e a Estrutura de Missão dos Açores para o Espaço (tutelada pelo Governo Regional dos Açores), com o apoio técnico da ESA, convidaram as empresas de todo o mundo a manifestarem o seu interesse no centro espacial dos Açores, cujos resultados foram divulgados esta terça-feira.

Malbusca é então o local escolhido para o centro espacial de onde descolarão os foguetões, perguntámos a Manuel Heitor “É a localização consensual. Pode ser uma plataforma inicial. Mas as propostas agora submetidas consideram outros locais como possibilidade em Santa Maria – não apenas Malbusca”, respondeu o ministro. Os estudos anteriores já tinham apontado o local da Estação Loran, no Norte da ilha. E, além disso, “há a possibilidade de ter lançamentos horizontais, através do aeroporto com aviões”, a Oeste da ilha, acrescenta Manuel Heitor. “Ter diferentes plataformas pode flexibilizar lançamentos por diferentes operadores, com vários tipos de microlançadores. O lançamento de satélites vai sofrer evoluções tecnológicas e daqui a dez anos não sabemos como vai ser a tecnologia.”

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E qual será o custo total estimado do centro espacial dos Açores? “Os custos vão fazer parte das várias propostas e têm de se fazer estudos de viabilidade financeira. O compromisso é que o investimento público seja adequado para as infra-estruturas ao nível do porto, aeroporto e estradas e terraplanagem, que tem um orçamento global de seis milhões de euros. [O resto] do investimento será privado e é por isso que é importante ter consórcios internacionais e com acesso a fundos europeus.”

O que parecia então um projecto distante em Abril de 2017, e até inesperado, começa agora a tomar uma forma mais concreta à medida que se aproxima o lançamento de um concurso internacional.

Os próximos passos do processo já estão definidos. As 14 propostas irão agora ser analisadas por uma Comissão Internacional de Alto nível, composta por nove peritos portugueses e estrangeiros, com coordenação de Jean-Jacques Dordain, director geral da ESA até 2015 (entre os seus elementos há ainda Gaele Winters, director de lançadores da ESA até 2017; Dava Newman, vice-administradora da NASA até 2017 e professora no Instituto de Tecnologia do Massachusetts; Byron Tapley, professor emérito da Universidade do Texas em Austin; ou António Cunha, professor da Universidade do Minho e o anterior presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas).

A primeira reunião desta comissão está prevista ainda para este mês, segundo o comunicado do Ministério da Ciência, e terá a tarefa inicial de definir os requisitos de um concurso internacional para serviços de lançamento espacial a partir da ilha de Santa Maria (que estará aberto em Janeiro e Fevereiro do próximo ano) e escolher, entre as propostas dos 14 consórcios, quais serão convidadas a participar nesse concurso.

No final do concurso sairá “um único consórcio, que pode resultar da fusão de vários concorrentes”, explica Manuel Heitor. “Pedimos à Comissão de Alto Nível para negociar com os vários concorrentes, de forma a garantir o projecto adequado em termos ambientais, de segurança e tecnológico.”

A partir daqui, o calendário segue um passo apertado. Entre Fevereiro e Março do próximo ano deverá decorrer a avaliação das propostas pela Comissão Internacional de Alto nível e a sua apresentação pública. Até Maio de 2019 decorrerá a fase final da avaliação das propostas. Depois, no fim de Maio, iniciar-se-á a negociação final com as empresas e consórcios, seguindo-se segundo este calendário a assinatura em Junho de 2019 do contrato para o desenvolvimento e operação do chamado “porto espacial” dos Açores. Por essa altura, o ministro quer que a Agência Espacial Portuguesa já esteja instalada.

Portanto, se tudo correr como o programado, nas próximas eleições legislativas, em Setembro ou Outubro de 2019, já o contrato para desenvolver e operar o centro espacial estará estabelecido. Nos dois anos seguintes, até Junho de 2021, far-se-á uma avaliação externa da fase de implantação do centro espacial.

Se tudo avançar rapidamente como está calendarizado, na Primavera ou Verão de 2021 nos céus açorianos haverá foguetões em direcção ao espaço – apenas quatro anos depois de esta ideia ter sido mencionada pela primeira vez em público.

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