A quem vai a esquerda enviar a fatura?

Nos impostos sobre o tabaco, o caso português assume especial interesse porque não aplica um único dos propósitos enunciados por Bruxelas.

Laffer terá desenhado num guardanapo de papel uma curva que se tornou um dos pilares da economia. Vendo a atual proposta de Orçamento e algumas das premissas, ficamos com a convicção que pode também ter sido calculado em cima de qualquer guardanapo de papel.

O ministro Centeno tenderá forçosamente a procurar consensos bastantes para que o texto que vier a sair do Parlamento não penhore o prestígio internacional que tem sabido granjear e sejam produzidas as correções necessárias, sem menor dúvida, para que não se hipoteque nem coloque em desconforto perante o Eurogrupo.

Vejamos o caso dos impostos sobre tabaco.

Os impostos sobre o tabaco tendem a cumprir dois objetivos básicos: um de saúde e um outro de receita do Estado. Perpetuamos a convicção de que o aumento do preço do tabaco reduz o consumo e que os impostos sobre o mesmo são uma importante fonte de receita de qualquer governo. Para tal, procura-se tornar o tabaco menos acessível aos jovens, deixando-os mais protegidos e longe do consumo de um produto nocivo para a saúde mas lucrativo para os cofres do Estado.

Lendo as recomendações do Conselho à Comissão Europeia nesta matéria, percebe-se que a Directiva relativa ao tabaco estabeleceu regras que todos os Estados-membros devem respeitar e essas regras são muito simples, deixando claro no como devem acautelar a relação entre o preço e o consumo. Recomendações que o presidente do Eurogrupo não deverá querer ignorar.

A obrigação de que todos os impostos sobre os cigarros tenham um sistema misto, ou seja, que eles tenham dois componentes e que não possa ser anulado. Facilmente se compreende que seja condenável flagelar a maioria dos consumidores em benefício daqueles que são menos permissivos às mudanças de preço. Em segundo, que o Estado aplique uma tributação menor ao tabaco de enrolar e, por fim, que os diferentes países possam estabelecer um imposto mínimo, evitando assim a existência de marcas muito baratas no mercado, sem isso significar benefícios às marcas mais caras.

Porém, o caso português assume especial interesse porque não aplica um único dos propósitos enunciados e, sem surpresas, não consegue tornar o seu consumo nem menos atraente nem permitir que o Estado obtenha uma maior receita.

O debate do Orçamento do Estado na especialidade deverá permitir ao Parlamento rever os artigos em causa – recuperando, aliás, propostas convictamente defendidas pelo próprio Partido Socialista em Orçamentos anteriores e, cremos, propor as necessárias correções de forma a impedir que os consumidores mais sensíveis ao preço paguem a fatura de uma interpretação errada e abusiva da directiva. Uma fatura enviada aos mais desfavorecidos e de um tecido social bem mais sensível e bem longe dos conceitos de justiça e equidade fiscal.

Ainda que improvável não ser aprovada, a necessária correção já não depende apenas do ministro das Finanças, mas sim do espectro da maioria no Parlamento. Deste modo, a Centeno somam-se preocupações. Além da justificação aos parceiros europeus e a Mário Centeno, presidente do Eurogrupo, terá ainda de perceber a quem quer realmente a esquerda parlamentar enviar a fatura.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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