“Lo spread” italiano … ao pequeno-almoço

Porque o défice não cumpre as novas regras impostas desde 2011, ameaça-se o sistema bancário italiano, ameaça-se a Itália com a entrada em bancarrota, enfim, ameaça-se a saída da Itália do euro e a eventual desintegração do euro!

Lo spread” está nas bocas do mundo na Itália, com o líder da Liga, Matteo Salvini, a afirmar que o importante é o crescimento económico, que a política (económica) não pode estar dependente dos mercados e que se come o “senhor spread” ao “pequeno-almoço”.

O presidente da comissão de orçamento da câmara baixa do parlamento italiano, Claudio Borghi, em entrevista recente, referiu que acredita que a Itália poderia resolver a maior parte dos seus problemas se tivesse moeda própria. Esse comentário que, precisou depois, era a sua posição pessoal, há muito defendida, e não a posição oficial do governo italiano, foi o suficiente para causar um solavanco no mercado de dívida pública italiana, resultando num aumento das taxas de juro e do referido spread (diferença entre as taxas de juro da dívida pública de Itália e da Alemanha).

Palavras do economista italiano suscitam reacção internacional

Mas Borghi teve direito a resposta. Mario Draghi, Presidente do BCE, referiu “que uma política orçamental expansionista num país com um nível elevado de dívida torna-se muito mais difícil se as pessoas começam a questionar o euro”.

Mohamed El-Erian, economista muito conhecido nos mercados financeiros internacionais, referindo-se à posição de Borghi, defende que a Itália não é a Grécia, pois os desafios que enfrenta são simultaneamente menores e maiores do que os da Grécia: por um lado, apresenta excedentes externos significativos e a sua dívida pública tem maturidades elevadas; por outro lado, a dimensão da economia e o nível de endividamento são tais que a Itália representaria uma fonte de risco sistémico para a Zona Euro podendo, em caso de crise grave, colocar em causa a sua existência. El-Erian argumenta que as autoridades europeias seguem o guião grego, esperando que com a pressão certa, o governo italiano faça um “pivô” (rotação de 180 graus) tal como o Syriza fez na Grécia.

O antigo ministro das finanças grego, Yanis Varoufakis, defende que a recente tensão faz parte do jogo negocial com Bruxelas, mas não antecipa nenhuma crise profunda a curto prazo embora também defenda que a crise italiana tem o potencial para resultar na desintegração do euro.

Alea jacta est, será a “guerra”?

Perfila-se um conflito negocial entre as autoridades europeias e o governo italiano da Liga e do Movimento Cinco Estrelas unidos pela vontade de fazer frente às autoridades europeias. Em resultado das posições assumidas, os dois líderes desses partidos e, em particular, o líder da Liga, sobem nas sondagens eleitorais. Já reúnem 58% das intenções de voto, com a Liga a subir de 17,4% para 29,2%.

As autoridades europeias parecem não saber bem como reagir ao desafio do governo italiano.

Por um lado, todos os olhos estão já virados para as eleições europeias de 2019. É provável que o grupo europeu dos partidos populistas (e xenófobos), com Salvini, Le Pen e a AfD à cabeça, passe a ser incontornável no Parlamento Europeu. Por conseguinte, não se pode fazer a vida demasiado fácil ao governo italiano.

Por outro lado, não se pode vitimizar o governo italiano porque, nesse caso, o povo italiano une-se contra Bruxelas e “il tedeschi” e dá-lhe ainda mais votos. Um verdadeiro dilema.

Num cenário ideal, as autoridades europeias dariam à Liga e ao Cinco Estrelas um pouco de corda (isto é, margem orçamental), para que o governo italiano a enrodilhasse à volta do pescoço várias vezes durante dois ou três anos, sem nenhum inimigo externo para culpar.

Se se não desentendessem entretanto, três anos volvidos, acomodados ao poder, e com eleições à porta, Liga e Cinco Estrelas estariam mais dispostos a compromisso com as autoridades europeias se as coisas na economia não corressem bem. E o provável desgaste da governação Liga-Cinco Estrelas poderia conduzir à vitória eleitoral de um partido “respeitável” com uma liderança em sintonia com as autoridades europeias. Quem sabe, tal governo poderia estar até disposto a, em nome de Itália, solicitar um resgate às autoridades europeias que finalmente se encarregariam de pôr “a casa” italiana em ordem.

O BCE manda mensagens anónimas ao governo de Itália durante a reunião anual do FMI em Bali, na Indonésia

As notícias mais recentes, porém, parecem sugerir que as autoridades europeias decidiram seguir o guião que adoptaram na Grécia em 2015, para forçar o governo de Itália a ceder à sua vontade. As suas “ferramentas”, desde o controlo do sistema bancário ao mercado de dívida pública, são poderosas e, como se sabe, foram utilizadas com “sucesso” desde 2010 na Grécia, Irlanda, Portugal, Itália, Chipre, Espanha, e novamente na Grécia do Syriza em 2015.

A Reuters (a 11 de Outubro) cita 5 altos funcionários do BCE que, de Bali, afirmam que o BCE não salvará a Itália se o governo ou a banca italiana ficar sem euros, a menos que Itália solicite um resgate com “condicionalidade estrita”, i.e., austeridade. Dificilmente poderia ser enviada mensagem mais forte, parecendo inclusive encorajar uma corrida aos depósitos!

As autoridades europeias parecem contar com as agências de rating. Se as quatro agências baixarem o rating de Itália em dois ou três níveis (no caso da DBRS), a dívida pública italiana deixaria de poder ser aceite como colateral nos empréstimos que o Eurosistema concede à banca italiana. Nesse caso, a banca italiana teria de recorrer à Assistência de Liquidez de Emergência do Banco de Itália que, no entanto, pode ser vetada ou restringida por uma maioria de 2/3 do Conselho de Governo do BCE, como ocorreu com a banca grega em 2015. E, claro, o BCE goza de suficiente discricionariedade para aplicar a medida de resolução a bancos que fiquem sem liquidez ou sem colateral.

A expectativa das autoridades europeias seria que o medo do colapso do sistema bancário italiano resultasse numa pressão intolerável e forçasse o governo italiano ao tal “pivôa la Syriza.

Contudo, afigura-se que a ameaça das autoridades europeias não é credível. Será improvável que uma maioria de 2/3 dos membros do Conselho de Governo do BCE vote contra a Itália, sobretudo num crescendo de uma aliança de países com governos populistas que se perfila no horizonte.

E a subida das taxas de juro tenderá a ser benéfica para o sistema bancário italiano que dá mostras de pretender adquirir mais dívida pública italiana assumindo uma função estabilizadora contra cíclica. Os bancos italianos sabem que não sobreviveriam à bancarrota do Estado italiano e, por conseguinte, faz sentido que aumentem a exposição à dívida soberana italiana em alturas de crise, para posteriormente a vender com mais-valias.

Em suma, o actual drama nos mercados parece resultar de muito ruído, de muita agitação de decisores que acreditam na necessidade e no confronto com a Itália para obrigar ao cumprimento de minuciosas regras orçamentais sem sentido.

A Itália estará preparada para o pior, e alguns dos seus responsáveis até o desejam

Como já aqui se referiu, vários economistas italianos importantes acreditam que o problema é o euro, que a Itália estaria melhor fora do euro e que essa seria a opção que melhor defende o interesse nacional de Itália. Esses economistas parecem ter influência tanto na Liga como no Cinco Estrelas e é sintomático que tenham sido nomeados para posições importantes do Governo e do Parlamento.

Com essas escolhas, o governo italiano sinalizou às autoridades europeias que está preparado para o conflito negocial e que até parece desejar uma situação em que a Itália se veja obrigada a sair do euro. Mas, somente o fariam em situação de último recurso.

Porque partem para “a guerra” as autoridades europeias?

É difícil acreditar na “tempestade em copo de água” que se está a preparar na zona euro. Parece até um jogo de poker de altas apostas. O governo italiano pretende adoptar uma política orçamental algo mais expansionista (ou algo menos restritiva) do que no passado. Não são, para já, grandes voos. O défice público subiria de 2,3% do PIB em 2017 para 2,4% do PIB em 2019. Como diriam os americanos… “amendoins”. Mas porque o défice não cumpre as novas regras impostas desde 2011, sobretudo por Wolfgang Schäuble e os seus seguidores, ameaça-se o sistema bancário italiano, ameaça-se a Itália com a entrada em bancarrota, enfim, ameaça-se a saída da Itália do euro e a eventual desintegração do euro!

Essas consequências, que continuam a ser pouco prováveis, são reais e teriam enormes custos para a economia italiana bem como para a economia da Zona Euro. Uma saída de Itália ou uma desintegração do euro seria muito destrutiva.

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