O riso que pode derrotar Trump

O pior é possível, mas não é inevitável. Trump ainda poderá ter o destino da rã da fábula.

Nas Nações Unidas, Trump afirmou a sua oposição a qualquer forma de governação global, afirmando “Rejeitemos o globalismo e abracemos o patriotismo, as nações responsáveis devem resistir às ameaças à sua soberania”, atitude irresponsável de quem se propôs destruir a ordem mundial que os líderes americanos, no pós-guerra, criaram, e substituí-la por uma suicidária e desregulada competição entre potências. Trump dedicou o seu discurso a exaltar os sentimentos nacionalistas dos seus congéneres, com o mesmo estilo bufão com que se dirige aos americanos nos seus comícios, terminando a sua intervenção com um apelo à escolha do patriotismo “para a graça e glória de Deus“.

Quando Trump declarou que, em dois anos, a sua administração tinha alcançado mais do que qualquer dos seus antecessores, a resposta foi, para seu grande espanto, uma gargalhada geral. Trump até pode saber que não é admirado pelos líderes do planeta, mas, certamente, pensava que era por eles temido. 

A gargalhada geral, aquela reação de que o “rei vai nu”, é um sinal importante das mudanças que ocorreram e que tornam agora possível uma estratégia para derrotar Trump.

Quando as Nações Unidas foram constituídas, em 1945, para prevenir as tragédias do nacionalismo, por iniciativa de uma América confiante no seu poder, o PIB americano representava mais de 50% do produto mundial. E os Estados Unidos da América eram uma nação admirada pelo mundo, um símbolo da vitória da democracia sobre o nacionalismo.

As mudanças que tiveram lugar no mundo, desde a criação das Nações Unidas, mostram uma enorme erosão do poder americano. Hoje, o PIB americano representa cerca de 22% do produto mundial e deverá baixar para 17,3% em 2030, contra 23,8% da China e 14,3% do agregado dos Estados da UE.

Joseph Nye, numa perspetiva anti-declinista, na obra O Futuro do Poder, argumentou que os Estados Unidos compensavam o seu declínio relativo pelo seu soft power, o seu poder de atração pela sua capacidade de cooptar os outros países para os seus objetivos. Trump e os que o alimentam ideologicamente não acreditam no soft power e, bem pelo contrário, são contra as suas componentes americanas (liberalismo político, diversidade cultural de uma terra de emigrantes e defesa de uma ordem internacional liberal), mais pensam que é possível voltar a um período de hegemonia económica e militar dos Estados Unidos. Este é o significado do seu America first.

A gargalhada nas Nações Unidas mostra que a maioria já não teme os Estados Unidos e que pensa que é possível singrar sem a sua boa vontade.

Muitos dos discursos que se seguiram realçaram a importância do multilateralismo para resolver os problemas globais que afetam diretamente os seus países, como o aquecimento global, a proliferação nuclear e as crises humanitárias.

Trata-se de construir novas coligações para defender as conquistas das últimas décadas e o sistema das Nações Unidas. Que tal é possível já se viu na resistência dos signatários do Acordo de Paris ao abandono americano ou na posição dos signatários do acordo de não-proliferação nuclear com o Irão à violação do mesmo pelos Estados Unidos. No G7, vimos o Japão associar-se à União Europeia e ao Canadá, para contrariar o unilateralismo comercial de Trump. Na China, esse grupo encontrará apoios para defender a Organização Mundial do Comércio. O Brasil, se sobreviver à catástrofe Bolsonaro, poderá voltar a ser um ator importante na defesa do multilateralismo.

 Emmanuel Macron afirmou que o mundo é hoje multipolar, o que importa “aprender a complexidade do diálogo, mas também da sua fecundidade”.

Durante a administração Obama, era possível sustentar que os Estados Unidos eram um ator indispensável, embora precisasse dos outros para a resolução dos grandes problemas internacionais. Hoje, impõe-se procurar, sem o governo americano, soluções para os problemas mundiais da regularização dos fluxos financeiros e comerciais à proteção da vida na nossa casa comum — a Terra.

Macron procurou afirmar-se como líder de uma nova coligação mundial, sem Washington, mas para ter sucesso é fundamental que tenha o apoio da União Europeia. Sabemos que alguns governos, na Europa, como o polaco, apoiam Trump, cujo nome vai dar a uma base militar. Mesmo assim, se a França e a Alemanha propuserem uma agenda, alternativa à de Trump, encontrarão um eco positivo em muitos dos que se riram das declarações de Trump, e também, importa não esquecer, em setores significativos da sociedade americana, incluindo em muitos dos seus Estados.

O pior é possível, mas não é inevitável. Trump ainda poderá ter o destino da rã da fábula.

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