EUA acusam Maduro de morte de opositor sob detenção

Nações Unidas querem investigar o suposto suicídio de Fernando Albán nas instalações dos serviços secretos. O seu partido diz que foi assassinado.

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Fernando Albán estava detido desde sexta-feira. CRISTIAN HERNANDEZ/LUSA

A Casa Branca condenou esta quarta-feira a morte de um opositor político na Venezuela e acusou o Governo de Nicolás Maduro de estar envolvido. Fernando Albán foi detido na sexta-feira por alegada participação na tentativa fracassada de atentado contra o Presidente e levado para a sede dos serviços secretos nacionais (Sebin); na segunda-feira, quando devia ser presente a tribunal, o ministro do Interior, Néstor Reverol, anunciou que “se lançou por uma das janelas das instalações e morreu na queda”.

“Os Estados Unidos condenam o envolvimento do regime de Maduro na morte do vereador da oposição Fernando Albán”, fez saber Washington num comunicado. O texto pede a libertação de todos os presos políticos na Venezuela, “o restabelecimento da democracia e a prevenção de mais sofrimento e derramamento de sangue”.

Também Federica Mogherini, vice-presidente da Comissão Europeia e Alta Representante para a Política Externa da União, exigiu a libertação dos mais de 200 presos políticos e o respeito pelos direitos humanos. Inúmeros governos de países europeus e da América do Sul exigem a Caracas uma investigação independente sobre a morte de Albán.

É precisamente isto que quer o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos: a porta-voz, Ravina Shamdasani, disse à imprensa estar “preocupada” com as circunstâncias da morte de Albán. Shamdasani afirmou ter pedido acesso à Venezuela para que a ONU realize uma “investigação transparente e independente”. “Pelo que sabemos existem relatos contraditórios do que aconteceu”, disse em Genebra.“Albán estava detido pelo Estado. O Estado tinha a obrigação de garantir a sua segurança e integridade pessoal”, sublinhou ainda.

"O pior da ditadura"

Na versão do procurador-geral nomeado pela Assembleia Constituinte designada pelo regime quando perdeu a maioria no Parlamento (actualmente esvaziado de quaisquer competências), Tarek William Saab, o opositor pediu para ir à casa de banho e lançou-se do décimo piso do edifício da capital. “Designámos imediatamente dois oficiais com pasta em direitos humanos e delitos comuns para esclarecer o acontecimento”, acrescentou.

Reverol adianta que Albán estava a ser “investigado” por estar “envolvido em actos desestabilizadores dirigidos desde o exterior e dos quais existem provas suficientes”, referindo-se ao atentado contra Maduro, a 4 de Agosto, quando dois drones carregados com explosivos que teriam como alvo o Presidente foram detonados durante uma parada militar em Caracas.

O partido de Albán, o Primeiro Justiça, garante que este foi “assassinado às mãos do regime”. “Os companheiros de luta e amigos de Fernando Albán sabem que era um homem forte e de profundos valores cristãos. Responsabilizamos Nicolás Maduro e o seu regime de tortura pelo que aconteceu. Exigimos a verdade e declaramos que esta dolorosa situação demonstra o pior da ditadura: um sistema de morte que penetra na consciência de quem defende a liberdade na Venezuela”, disse o partido em comunicado.

“A crueldade da ditadura acabou com a sua vida”, acusa o antigo presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges, que esteve com Álban na ONU a semana passada. Borges, no exílio na Colômbia, revelou também ter falado no domingo com a mulher de Albán, que lhe disse que este “estava forte, mas a ser pressionado para que confessasse a autoria do ataque, e vemos o resultado disso”.

Câmaras e janelas

Albán, de 56 anos, foi detido no aeroporto de Caracas ao chegar de Nova Iorque, depois de ter acompanhado membros do seu partido em reuniões com dignitários estrangeiros presentes na Assembleia Geral das Nações Unidas. O Primeiro Justiça afirma que Albán foi preso devido às declarações que fez na ONU sobre as violações de direitos humanos no seu país.

O advogado de Albán, Joel García, que o esperava no tribunal no momento da morte, também não acredita na versão oficial. “É completamente falso que tenha pedido para ir à casa de banho, quando sabemos que nesta sede ninguém se pode movimentar sozinho e há câmaras por todo o lado”, disse aos jornalistas. Em declarações à televisão venezuelana, García acrescentou que “na casa de banho não existem janelas, não havendo possibilidade de que se tenha lançado”.

García diz que a autópsia realizada na morgue nacional revelou sinais de trauma no crânio, peito e ancas, indicando que terá sido vítima de uma queda. Segundo o jornal espanhol El Mundo, vários funcionários do Sebin dizem que Albán foi torturado. No funeral, o deputado Juan Miguel Matheus garantiu que Albán  foi “sufocado com um saco na cabeça, imerso em água, electrocutado e finalmente morreu”, atirado da janela.

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Manifestantes com cartazes gritam que "Maduro é um assassino" Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS

Outras mortes no Sebin

Mais de duas dezenas de pessoas estão presas por suspeita de terem participado no ataque a Maduro. Para além disso, membros da oposição afirmam que mais de 200 venezuelanos críticos do regime estão detidos como “prisioneiros políticos”. Segundo Shamdasani, as prisões venezuelanas estão sobrelotadas e têm condições “horríveis”, sendo que os prisioneiros sofrem com a falta de água e de comida.

Em Junho, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas publicou um relatório no qual declarava que as forças de segurança suspeitas de matar centenas de manifestantes e criminosos gozam  de imunidade, pelo que a aplicação da lei é “inexistente”. O governo de Nicolás Maduro, por sua vez, nega que existam presos políticos e que haja violações de direitos humanos no país.

Não é inédito que um preso político morra na sede do Sebin. Em 2015, o piloto Rodolfo González, opositor ao regime, suicidou-se; o ano passado Carlos Andrés García, vereador de Guasdualito, capital do município de Páez (estado de Apure), morreu vítima de um AVC enquanto estava detido nas mesmas instalações.

Texto editado por Sofia Lorena

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