Juiz confirma crime de suborno e corrupção de Kirchner, mas imunidade livra-a da prisão

Grandes quantias de dinheiro foram entregues na morada privada da ex-Presidente e actual senadora em pelo menos 87 ocasiões. Foi tudo revelado nos “cadernos da corrupção”, documentados pelo motorista do ex-ministro do Planeamento.

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Cristina Kirchner foi formalmente acusada pelos crimes de suborno e corrupção, esta segunda-feira. LUSA/David Fernandez

Não fosse a imunidade, por ser senadora, a antiga Presidente da Argentina Cristina Kirchner estaria já presa preventivamente. Na segunda-feira à noite, a senadora foi formalmente acusada de liderar uma organização criminosa, que envolveu subornos de empresas em troca de contratos públicos.

O juiz Claudio Bonadio – que já tinha acusado Kirchner de encobrimento de terrorismo e lavagem de dinheiro –, deu conta da existência de um esquema ilícito dirigido por Kirchner quando era Presidente, na sentença de 558 páginas do julgamento de um dos processo em que é acusada.

Segundo o veredicto, a operação “actuou desde 2003 até Novembro de 2015, e [teve como] finalidade organizar um sistema de obtenção de fundos ilegais com o intuito de enriquecer, e de utilizar esse dinheiro para outros delitos”. Bonadio afirmou ainda que esta rede de corrupção foi composta pelo marido de Cristina, Néstor Kirchner, (também ex-Presidente e que morreu em 2010), e que contava com a colaboração de empresários e funcionários públicos.

Para além de Kirchner, 42 pessoas foram investigadas e 14 presas. Entre estas está Angelo Calcaterra, primo do actual Presidente argentino Mauricio Macri, que estava na oposição a Kirchner na altura. Segundo o El País Brasil, Calcaterra afirmou ter sido coagido a financiar ilegalmente as campanhas eleitorais “kirchneristas”. Também o antigo ministro do Planeamento e Investimento Público, Julio de Vido, e o seu braço direito, Roberto Baratta, foram acusados e detidos.

Mas Kirchner, denunciada por mais cinco delitos, só pode ser detida caso a sua imunidade enquanto senadora for retirada. Para isso, é necessário que dois terços dos senadores aprovem a perda da imunidade, uma possibilidade remota. A aliança que governa o país, a Mudamos, de Macri, é minoria na câmara alta do parlamento, e o chefe do peronismo (Partido Justicialista), Miguel Ángel Pichetto, afastou essa possibilidade.

Contudo, o juiz Bonadio declarou na sentença que “é necessário continuar a investigação até ser determinado como é que os pagamentos ilegais e manobras ilícitas foram estruturadas, no que diz respeito aos membros do governo e aos empresários com que estes se relacionavam”.

De acordo com o jornal argentino Clarín, o ex-funcionário do Ministério da Planificação, José López, que foi também detido, disse que Kirchner “tinha conhecimento do sistema de operações”, que continuou após a morte de Néstor Kirchner. López esteve no centro da questão quando foi apanhado a tentar esconder nove milhões de dólares (sete milhões de euros) em dinheiro e relógios de luxo num convento, a mando do secretário de Cristina Kirchner, Fabián Gutiérrez.

O cobrador dos Kirchners, Ernesto Clarens, disse que as quantias que estes recebiam chegavam aos 300 mil dólares semanais (257 mil euros), segundo o diário argentino La Nación. Empresários processados confessam ter pagado subornos de mais de 55 milhões de dólares entre 2013 e 2015. Segundo o mesmo jornal, o empresário Juan Chediak revelou que, quando não pagou a quantia devida, Clarens o ameaçou de morte: “Paga bebé, não és o primeiro que fazemos cagar”. Clarens nega as acusações.

O caso foi apelidado pelos meios de comunicação social argentinos como “os cadernos da corrupção”, após um jornalista do La Nación ter recebido oito cadernos com descrições minuciosas das operações, relativas ao período de 2005 a 2015. Os cadernos, da autoria do ex-motorista do antigo ministro do Planeamento Oscar Centeno, documentam as viagens realizadas, os nomes dos destinatários, horários e até o peso das elevadas quantias de dinheiro.

O testemunho de Centeno constituiu prova suficiente para Bonadio “ordenar a captura dos envolvidos directos e avançar sobre os beneficiários indirectos”, numa altura em que Kirchner considera candidatar-se nas eleições presidenciais do próximo ano.

A mais recente sondagem da Synopsis, publicada pelo Clarín, indica que a popularidade de Cristina Kirchner mantém-se relativamente intacta: existe uma diferença de 3,6% entre Macri (45,8%) e Kirchner (42,2%).

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