Chefe do Exército brasileiro sugere que insistência de Lula "afronta a Constituição"

General Villas Bôas diz que a situação "dificulta a estabilidade e a governabilidade do futuro Governo e divide ainda mais a sociedade brasileira".

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Parecer do Comité de Direitos Humanos da ONU é "entativa de invasão da soberania nacional", disse general Ueslei Marcelino/REUTERS

O chefe dos militares do Brasil, o general Villas Bôas, voltou a provocar a indignação ao dizer que a legitimidade do próximo Governo do país está em risco por causa da insistência do ex-Presidente Lula da Silva em candidatar-se às eleições de 7 de Outubro.

Numa entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, publicada no domingo, Villas Bôas disse várias vezes que a situação actual no Brasil pode acabar "minando tanto a governabilidade quanto a legitimidade do próximo Governo".

E são dois os casos que põem em causa essa legitimidade, segundo o comandante do Exército brasileiro: o ataque à faca contra o candidato presidencial Jair Bolsonaro, na última sexta-feira, e vontade de Lula da Silva em concorrer às eleições.

Em relação ao ataque contra Bolsonaro, o general Villas Bôas disse que esse acontecimento é "preocupante" porque pode "alterar o ritmo normal das coisas".

"O atentado confirma que estamos construindo dificuldade para que o novo Governo tenha uma estabilidade, para a sua governabilidade, e podendo até mesmo ter sua legitimidade questionada", disse o general, dando como exemplo a hipótese de Bolsonaro e os seus opositores usarem o ataque para justificar vitórias e derrotas.

Mas foram as respostas sobre a situação de Lula da Silva que mais indignaram o Partido dos Trabalhadores. Questionado sobre que avaliação faz da tentativa de registo de candidatura pelo ex-Presidente brasileiro – principalmente o uso de um parecer do Comité de Direitos Humanos da ONU –, o general Villas Bôas voltou a dizer que a legitimidade do futuro Governo pode estar em causa: "É uma tentativa de invasão da soberania nacional. Depende de nós permitir que ela se confirme ou não. Isso é algo que nos preocupa, porque pode comprometer nossa estabilidade, as condições de governabilidade e de legitimidade do próximo Governo."

Apesar de garantir que os militares vão respeitar a decisão dos eleitores, o general repetiu a questão da legitimidade quando foi confrontado com a hipótese de Lula da Silva concorrer e vencer: "O pior cenário é termos alguém sub judice  [em julgamento], afrontando tanto a Constituição quanto a Lei da Ficha Limpa, tirando a legitimidade, dificultando a estabilidade e a governabilidade do futuro Governo e dividindo ainda mais a sociedade brasileira. A Lei da Ficha Limpa se aplica a todos."

Em resposta, o Partido dos Trabalhadores acusou Villas Bôas de "interferir directamente no processo eleitoral, algo que as Forças Armadas não faziam desde os sombrios tempos da ditadura".

"Depois de dizer quem pode ou não pode ser candidato, de interpretar arbitrariamente a lei e a Constituição, o que mais vão querer? Decidir se o eleito toma posse? Indicar o futuro Presidente à revelia do povo? Mudar as leis para que o eleitor não possa decidir livremente? O Brasil já passou por isso e não quer voltar a este passado sombrio", lê-se no comunicado do partido.

Em Abril, quando estava prestes a ser anunciada a decisão sobre o pedido de libertação de Lula da Silva, o general fez um comentário no Twitter que levou os seus críticos a acusá-lo de deixar no ar a hipótese de golpe de Estado militar se o ex-Presidente fosse libertado: "Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais."

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