"Nós contra eles" e uma eleição "de inimigos". Que efeitos terá o ataque a Bolsonaro?

A violência política, a crescer desde 2014, é cada vez mais visível no Brasil. E os efeitos do que aconteceu ao candidato de extrema-direita, esfaqueado num comício em Minas Gerais, são imprevisíveis.

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Partidários de Bolsonaro manifestam o seu apoio Sebastião Moreira/EPA

O primeiro efeito da facada que atingiu o candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro na campanha das presidenciais brasileiras foi deixá-la parada, pelo menos para já. Os outros candidatos cancelaram os seus actos eleitorais, criticaram a violência e deverão estar a rever a estratégia para as próximas semanas. Os analistas, por seu lado, davam contexto a esta agressão. 

A colunista do jornal Folha de São Paulo Raquel Landim notava que o ataque mostra que esta é uma eleição “de inimigos”. “Não interessa em que se vai votar, mas sim contra quem”, escreveu.

Outros vêem o ataque como reflexo de um clima político que vem a endurecer no Brasil já desde 2014. Carlos Melo, do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), sublinha a “crescente violência desde a campanha de 2014”, entre Dilma Rousseff e Aécio Neves. “A coisa começa com o ‘nós contra eles’, ‘petralhas e tucanalhas’, a desqualificação pessoal do adversário: a dada altura, vai parar à rua”, diz.

Mesmo parecendo ter sido levado a cabo “por um homem desequilibrado”, o analista da empresa Tendência Consultorias Rafael Cortez vê no ataque a Bolsonaro “o resultado de um processo longo de radicalização, alimentado pelas lideranças políticas”.

O director do programa de estudos brasileiros da Universidade George Washington, nos EUA, Mark Langevin, disse à BBC Brasil que “já se notava um padrão de escalada da violência desde o ataque a tiros contra a caravana de Lula [em Março, no Paraná] e com o assassínio de Marielle Franco [vereadora do Rio de Janeiro] e Anderson [Gomes, o seu motorista], em Março".

A ironia é que o atingido é o candidato que, tendo a maior percentagem de apoio (22%), tem também a maior de rejeição (44%), e que, apesar de ter certa a passagem à segunda volta, perderia com todos os candidatos (excepto o do PT, com quem empataria). Os números desta sondagem, a primeira sem o candidato Luiz Inácio Lula da Silva, do PT (Partido dos Trabalhadores, esquerda), tinham sido divulgados no dia do ataque, na quinta-feira.

Esta sexta-feira, apoiantes de Bolsonaro fizeram um vídeo no hospital, com declarações do candidato, visivelmente fraco, com várias menções a Deus e agradecimentos a Deus e aos brasileiros. “Nunca fiz mal a ninguém”, declarou no vídeo, sem se pronunciar sobre o seu atacante a não ser numa frase: "Será que o seu humano é assim tão mau?"

O homem detido por ter atacado Bolsonaro, Adélio Bispo de Oliveira, já foi escrutinado e jornais brasileiros citavam pessoas mais ou menos próximas dizendo que “passava os dias num quarto escuro” ou que “não era normal, não”. O próprio confessou o ataque que, disse, realizou por "motivos pessoais" e por “ordem de Deus”.

Na Folha de São Paulo, a colunista Eliane Cantanhede avisava sobre a necessidade de, “a bem da democracia, que [o ataque] ficar restrito ao que é e não ao que querem que seja”. 

Mas a campanha de Bolsonaro já evocou uma potencial conspiração maior.

O líder do partido pelo qual Bolsonaro concorre, o Partido Social Liberal (PSL), na Câmara dos Deputados, Delegado Francischini, disse que havia o perigo de o atacante “aparecer como mais um morto do sistema” se ficar em liberdade condicional. “Ele pode ser morto pelas pessoas que ordenaram o crime.”

Efeito na campanha

Num primeiro momento, houve quem considerasse que este ataque pode ajudar Bolsonaro nas eleições, cuja primeira volta se realiza a 7 de Outubro. Mas Carlos Melo diz que um favorecimento pode desaparecer com uma maior crítica do eleitorado ao seu discurso agressivo – afinal, ainda no sábado, num comício no estado do Acre, Bolsonaro defendeu “metralhar petralhas”, usando um termo pejorativo para os membros do PT (que já abriu um processo por incitamento ao ódio).

O analista Rafael Cortez disse à BBC Brasil que não acredita que o episódio traga mais votos a Bolsonaro, apenas deverá consolidar o apoio existente e evitar a antecipada “desidratação” do candidato no avançar da campanha na rádio e televisão, onde a sua exposição em termos de tempo de antena é muito pequena (porque é proporcional ao peso do partido ou coligação no Congresso).

Já a família de Bolsonaro está a partir do princípio oposto. “Quero mandar uma mensagem aos bandidos que tentaram arruinar a vida de um homem de família, que é a esperança para milhões de brasileiros: vocês elegeram-no presidente. Ele vai ganhar na primeira volta”, declarou um dos seus filhos, Flávio Bolsonaro.

O facto de o candidato ser vítima deverá ajudá-lo, assim como o facto de nos próximos dias provavelmente se falar apenas dele. O candidato que mais tem atacado o candidato de extrema-direita, Gerald Alckmin (PSDB, Partido da Social Democracia Brasileira, de centro), pode ter que mudar de tom. Como atacar um homem que acabou de ser alvo de violência física, que está internado num hospital, perguntou o analista da Folha Vinicius Torres Freire.

Mas, em geral, o consenso é que embora possam ser apontadas tendências, é ainda muito cedo para ver o efeito deste ataque na campanha. Até porque não é claro quando Bolsonaro terá alta hospitalar e se voltará ao terreno.

Os médicos do hospital Albert Einstein, em São Paulo, a unidade de saúde privada para onde foi transferido Bolsonaro após ter sido assistido em Juiz de Fora, Minas Gerais, onde se deu o ataque, emitiram esta sexta-feira um boletim dizendo que o paciente está “consciente e em boas condições clínicas”.

Certo é que não terá alta na próxima semana, e poderá levar dois meses até que esteja totalmente recuperado, segundo a agência Reuters. O jornal O Globo diz que os filhos de Bolsonaro, Flávio, Eduardo e Carlos, assumirão parte dos compromissos de campanha do pai – Flávio é deputado e está na corrida para o Senado no Rio de Janeiro, e Eduardo tenta a reeleição para a Câmara dos Deputados por São Paulo. O número dois de Bolsonaro, o general na reserva Hamilton Mourão, também deverá aumentar o número de compromissos e assumir alguns do candidato principal.

O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, anunciou um aumento da segurança aos candidatos. Até agora, Bolsonaro era o único que tinha protecção policial, cerca de 30 elementos que se dividiam em dois ou três turnos. Mas mesmo com esta protecção, o candidato andava entre a multidão o que o deixava vulnerável.

Com um candidato no hospital a baralhar a campanha, e o tom da sua recta final, uma eleição que já era imprevisível, como disse Eliane Cantanhede, pode agora ficar “catatónica”.

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