Uma pensão que se quis rural

A Pensão Agrícola surgiu já fora do tempo das pensões. Foi à procura do barrocal com cheiro a figos e tornou-se num dos pequenos projectos turísticos mais falados do novo Algarve.

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Entre laranjeiras, figueiras, amendoeiras, medronheiros e alfarrobeiras, os dois sócios da Pensão Agrícola quiseram reconstruir o ambiente típico do barrocal algarvio como se a família Silva Gomes ainda lá vivesse Vasco Celio / Stills (colaborador)
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A recuperação desta antiga casa rural foi entregue ao atelier de arquitectura Rua, de Lisboa Vasco Celio / Stills (colaborador)
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Vasco Celio / Stills (colaborador)

Na Pensão Agrícola, um estabelecimento hoteleiro entre Tavira e Cacela Velha onde é suposto não se passar nada, a maior novidade dos últimos tempos é o nascimento da primeira filha de Ernesto e Júlia, o casal de burros residente. “Esperamos que a Clementina seja o primeiro de muitos desta raça de burro que ainda se encontra em perigo”, diz-nos Rui Liberato de Sousa, um dos sócios desta pensão que abriu em 2015 para recuperar uma imagem do barrocal algarvio, entre a serra e a Ria Formosa, também em vias de extinção.

Marcar aqui um fim-de-semana não é fácil, especialmente desde que a Pensão Agrícola se tornou sinónimo de um regresso a um Algarve desaparecido e um destino de eleição para os amantes da zona de Tavira. Numa quinta que deixou de funcionar há quase meio século, os planos brancos da arquitectura algarvia recuperam a ideia de pensão dando-lhe um conforto contemporâneo. “Nas últimas revisões do Turismo de Portugal a classificação de pensão deixou de existir, mas o conceito tradicional de pensão seria o de um hotel de qualidade variável, normalmente simples. Tentámos surpreender nesse contraste entre o nome, que aponta para um registo simples e rural, e a arquitectura e design de interior, que apesar de ligados à ruralidade algarvia tentam apresentar uma discreta sofisticação.”

Na prática, uma vez que já não se podem abrir pensões desde 2008, a Pensão Agrícola tem a classificação de “turismo em espaço rural”, continua Rui Liberato de Sousa, um dos dois sócios do estabelecimento turístico. Se aos hóspedes franceses e espanhóis “é muito fácil explicar o nome pois pensão tem tradução directa, já em inglês a tradução aponta para guesthouse, ou seja, uma farm guesthouse”.

Perceber o lugar faz parte da magia da estadia e Rui Liberato de Sousa tenta sempre explicar aos hóspedes o conceito e o porquê do nome. A quinta conta a história da família Silva Gomes. A casa foi construída em 1920 como presente de casamento para os donos. E Rui Liberato, que é engenheiro civil numa outra vida, gosta de contar como apenas conseguiu confirmar a identidade do casal de antigos proprietários no cemitério de Conceição de Tavira. O Manuel e a Rita enterrados num dos jazigos, como já contámos aqui no suplemento Fugas quando a pensão inaugurou, eram os mesmos rostos que estavam nas fotografias encontradas por Rui na casa em ruínas, que ainda tinha móveis, objectos e instrumentos agrícolas abandonados desde a década de 1970. É possível encontrar fotografias desta gente de há 100 anos no site da Pensão Agrícola.

Entre laranjeiras, figueiras, amendoeiras, medronheiros e alfarrobeiras, os dois sócios da Pensão Agrícola quiseram reconstruir o ambiente típico do barrocal algarvio como se a família Silva Gomes ainda lá vivesse. É essa a ideia da Pensão Agrícola, passar uns dias numa casa que parece pertencer a uma família, eventualmente a uma família que podia ser a nossa. Por isso, é assim que Rui Liberato de Sousa procura receber os hóspedes, como se fossem da família. Os linhos que se usam na Pensão Agrícola ainda têm o monograma da família Silva Gomes.

Mas ao contrário da tradição, que associa a ideia de pensão a comida caseira, Rui Liberato acha que quem se hospeda na sua pensão não está à espera obrigatoriamente que lhe sirvam refeições, ou seja, que haja pensão completa (é verdade que a oferta na zona também é muito maior do que há alguns anos). “Mas temos, para além de um pequeno-almoço robusto, um menu de almoço com refeições ligeiras, onde, por exemplo, se pode pedir entre um pudim de couve-flor e cebolinho com salada, uma tosta de salmão com endro ou pasta de salmão e ovas com mascarpone e manjericão.” Já o jantar tem que ser reservado, estando à disposição um menu fixo igual para todos. Inclui pão e azeite Pensão Agrícola.

A recuperação desta antiga casa rural foi entregue ao atelier de arquitectura Rua, de Lisboa, e o projecto tem sido publicado um pouco por todo o lado, quase sempre a reboque desta ideia de um destino turístico que foi à procura de um tempo e ambientes perdidos. Os arquitectos apostaram no reforço da identidade algarvia, mesmo nas novas construções, onde se instalaram alguns dos poucos quartos da pensão, sempre erguidos em ligação com um pátio.

O próximo projecto dos sócios da Pensão Agrícola vai surgir também à volta de outro estabelecimento caído em desuso – a hospedaria. A ambição é abri-la até ao final do ano.

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