O “entra e sai” de turistas faz de Anabela uma superhost do alojamento local

É nos meses de calor que mais trabalha e faz o que estiver ao seu alcance para proporcionar “uma boa experiência” a quem recebe. Anabela Sousa gere uma casa que está inscrita na plataforma Airbnb, algo que lhe permite ter uma vida “bem mais estável”.

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Anabela Sousa tem 41 anos e é do Porto Nelson Garrido

Uma caminhada descomprometida pelas ruas de qualquer cidade pode tornar-se num jogo. Instruções: divide-se, mentalmente, o que se vê no momento de um lugar e a memória visual do mesmo. Jogue-se a pontos ou a peanuts, há sempre mudanças para apontar, mesmo que isso não aconteça à primeira. Atente-se naquela série de edifícios com uma espécie de identificação ao pé da porta: é uma placa pequena, transparente e quadrada, e nela lê-se AL, as iniciais para alojamento local. É provável encontrar Anabela Sousa à porta de uma “casa robusta”, próxima do Jardim do Marquês e da Rua da Constituição, no Porto, à espera de hóspedes. “Tenho de estar sempre disponível, porque também moro nesta zona”, explica. Tem 41 anos, metade deles dedicados ao teatro e à dança, e gere alojamentos pelo Airbnb há cinco.

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Anabela gere alojamentos há cinco anos Nelson Garrido

Esta é uma saída que, para bem e para o mal, lhe vale um rendimento extra ao fim do mês — principalmente no Verão, “ainda que o entra e sai comece em Abril”. Depois de duas décadas nas artes do espectáculo em regime freelancer, “há coisas que começam a pesar”: a “questão da imagem” e as mazelas coleccionadas, como uma lesão nas costas. Para além disso, Anabela foi mãe há dois anos (o pequeno interrompe a conversa sempre que lhe apetece) e, por isso, procura uma “estabilidade maior”. Foi também pelo filho que decidiu entrar na área: “Assim, aproveito muito mais tempo com ele.” Começou por ser gerente de dois apartamentos no centro do Porto, onde recebeu turistas durante dois anos. De há três anos para cá, trabalha “como uma espécie de empregada” na tal casa robusta — já lá vamos. 

Mas trabalhar através do Airbnb pode dar um salário? “Para mim não, não dá para viver disto”, responde, apesar de reconhecer que, nos meses mais quentes, “compensa mais”. Apesar de tudo, considera o pagamento “razoável”: recebe por check-in, o que corresponde ao valor de uma noite. “Portanto, se uma família passar um mês na casa, só recebo uma vez”, explica. Anabela não é o único exemplo de pessoas que viram no alojamento local uma “alternativa pós-crise”, como a própria refere. “Indirectamente, outros postos de trabalho foram criados: basta olhar para as lavandarias ou para o trabalho que há na área das limpezas”, acrescenta. 

Uma host que não quer uma “cidade de plástico”

Esses são trabalhos que a própria faz “quando for preciso”. Já chegou a levar turistas ao hospital e também ao supermercado — e “favores” destes já lhe valeram o título de superhost na plataforma, nos primeiros apartamentos que geria. Normalmente, recebe famílias, quase sempre vindas “de França, Espanha e do Brasil”; em altura de festa no Porto, como o São João, a casa é arrendada a “grupos de amigos”. E os de cá? “É muito raro receber portugueses, até porque procuram apartamentos mais pequenos.”

Apesar de o alojamento local que gere não estar “exactamente no centro da cidade”, as diversas opções de transporte facilitam a vida ao turista. Agora, “às vezes por falta de oferta”, quem visita o Porto começa a procurar a “parte Norte da cidade, onde também já se começa a ver crescer o número de casas como esta” — ainda que o cerco esteja a apertar, tanto para o negócio do alojamento local, como para o Airbnb, que, até ao fim de Agosto, tem de resolver as falhas apontadas pela Comissão Europeia, relativamente à legislação europeia para os direitos do consumidor.

A casa onde recebe o P3 e que descreve não é dela, mas sim “de uns amigos do teatro" que já tentavam arrendá-la "há muito”. “Por essa razão, ninguém teve de ser despejado”, avisa, antes de assumir a sua posição nesta conversa que envolve turismo, direito à habitação e interesses: “Nunca trabalharia numa casa da qual tivessem sido despejadas pessoas”. Por isso, pensa que tudo deve ser mais equilibrado. “O excesso destrói; se envolvermos as pessoas, talvez o resultado final seja melhor”, defende.

Para ela, o Porto “foi-se descaracterizando”, corre o risco de se tornar uma cidade de plástico, e não é essa a história que pretende contar ao filho daqui a uns anos, quando o levar a passear pelos sítios que, “para já, ainda existem e que marcam” os habitantes. E finaliza, numa frase que é um desejo: “Não quero que ele conheça uma cidade feita de blocos que se estragam com um bocado de chuva.”

Artigo corrigido e actualizado às 13h46 de 18 de Agosto. Foi clarificada a actividade de Anabela na actual casa.

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