Que futuro para o mercado de capitais em Portugal?

Um passado (recente) atribulado, um presente com sinais positivos e um futuro com vários desafios em perspetiva.

O passado. Não podemos negar que, no passado recente, o mercado de capitais português experienciou momentos de tal ordem negativos que, seguramente, ficarão marcados na sua história. Em primeiro lugar, a crise de finanças públicas que levou à celebração, em maio de 2011, do Programa de Assistência Económica e Financeira, à subida vertiginosa das yields dos títulos do Tesouro português e a uma interrupção de quase três anos dos leilões de dívida pública no mercado primário.

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Outros eventos contribuíram igualmente para penalizar o sentimento dos investidores: as medidas de resolução aplicadas ao BES (2014) e Banif (2015); a transmissão a posteriori (2015) de títulos de dívida sénior do Novo Banco de volta para o BES (massa falida), o que mereceu críticas veementes de investidores institucionais estrangeiros e, inclusivamente, a interposição de ações judiciais; o colapso da Portugal Telecom, associado ao não recebimento de cerca de 900 milhões de euros (M Eur) referentes a investimentos em papel comercial da Rio Forte (Grupo Espírito Santo) e ao falhanço da fusão com a Oi; o incumprimento nas Notes para o retalho da Portugal Telecom Internacional Finance (2016), que eram um dos títulos obrigacionistas mais negociados no Euronext Lisbon; os vários aumentos de capital no setor da banca (mais de 42 mil M Eur levantados entre 2001 e 2017) e os prejuízos acumulados por causa das imparidades (considerando BES/Novo Banco, Banif, CGD, BCP, BPI e CEMG, estamos a falar de 16 mil M Eur nos últimos sete anos); a saída de bolsa de outros emitentes de referência (Brisa, Cimpor e, a curto prazo, BPI) e a ausência de IPOs no mercado regulamentado do Euronext Lisbon desde fevereiro de 2014; ou até o fim de mercados como o MEDIP (Mercado Especial de Dívida Pública) e o PEX.

Para além de ser apenas uma pequena amostra, há que ter ainda em conta os eventos de natureza geopolítica que se foram sucedendo: instabilidade na Grécia (2015); "Brexit" (2016); eleição de Donald Trump (2016); o movimento independentista da Catalunha (2017); e a ascensão de partidos extremistas no seio da UE, que, entre outros aspetos, põem em causa a moeda única e o projeto europeu.

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O presente. Não obstante a pesada herança deixada por muitos dos eventos do passado, é possível identificar hoje alguns sinais positivos no mercado português. Entre os principais índices acionistas europeus, o PSI 20 foi aquele que registou o melhor desempenho em 2017 (+15%), com esta trajetória de subida a manter-se em 2018.

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Analisando os seis primeiros meses deste ano, verifica-se, em termos homólogos, um aumento expressivo do valor transacionado nos segmentos de ações (+5%) e obrigações (+141%) do mercado regulamentado do Euronext Lisbon, sendo também acompanhado por um incremento da liquidez (+35%) no MTS Portugal (principal mercado onde são transacionados os BTs e as OTs portuguesas).

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Paralelamente, existem indicadores macroeconómicos de cariz favorável a suportarem estes sinais: há sete trimestres consecutivos que a taxa de crescimento homóloga do PIB tem sido superior a 2%; os últimos dados sobre o desemprego (abril) apontam para uma taxa de 7,2%, tratando-se de um mínimo desde novembro de 2002; e os indicadores do INE sobre a confiança dos consumidores e o clima económico têm vindo a renovar máximos nas respetivas séries.

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O futuro. O reconhecimento de que existem sinais de recuperação não pode esconder o facto de que ainda há muito por fazer. Um dos aspetos mais relevantes terá que ser o reforço da confiança dos investidores no mercado. A este respeito, tem havido um esforço claro no sentido de prevenir a repetição dos problemas do passado.

Por exemplo, o Regulamento do Abuso de Mercado, a 2.ª Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (DMIF II) e o Regulamento dos Mercados de Instrumentos Financeiros vieram contribuir para o incremento da proteção dos investidores. Igualmente importante será a atração de mais empresas para o mercado. Aqui, é preciso perceber quais os obstáculos atualmente existentes. Será que as empresas portuguesas não têm escala ou solidez financeira suficientes para dispersarem o seu capital em bolsa? Estarão aspetos culturais, fiscais ou certas exigências legais a limitar a atratividade do nosso mercado? Se, com as privatizações dos anos 80 e 90, vivemos um período de “capitalismo popular”, o que nos falta hoje para retomar esse dinamismo?

Convém recordar que existem várias iniciativas em curso para a revitalização do mercado de capitais, sendo o Programa Capitalizar o exemplo mais notório. Conforme noticiado no início do ano, também a OCDE irá dar o seu contributo nesta área, porém não será uma tarefa fácil, nem deverá produzir resultados no imediato.

Um terceiro aspeto a levar em consideração é a constante inovação tecnológica e a crescente complexidade de alguns produtos financeiros. Casos como o surgimento de criptoativos ou a manipulação com recurso a estratégias de negociação algorítmica e de alta frequência requerem uma capacidade de adaptação contínua por parte dos reguladores e supervisores. Um acompanhamento destas novas realidades com os meios adequados, tanto financeiros como tecnológicos, é essencial para garantir a integridade do mercado e a proteção dos investidores.

Um último aspeto que gostaria de referir é a reforma do modelo de supervisão financeira. Esta discussão foi redescoberta no ano passado e permanece por concluir. O que pretendemos então? Manter o atual modelo tripartido (Banco de Portugal, CMVM e ASF) e reformular a coordenação entre os supervisores? Passar para um modelo assente em dois pilares (twin peaks): supervisão prudencial vs. comportamental? Ou adotar até um modelo de supervisor único? A discussão destes temas convoca-nos a todos, pois importa não esquecer que só um mercado de capitais robusto e revitalizado será capaz de cumprir melhor a sua função de financiar a economia.

[Nota: as opiniões expressas neste texto vinculam única e exclusivamente o seu autor]

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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