Brasil condenado por não ter julgado assassínio do jornalista Herzog em 1975

Vladimir Herzog foi torturado e assassinado pela ditadura militar, que tentou mascarar o crime de suicídio. O crime marcou um ponto de viragem - o regime começou a ser travado - mas nunca foi julgado. É a segunda condenação da CIDH ao país pela falta de investigação aos crimes da ditadura militar.

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Instituto Vladimir Herzog

O Tribunal Interamericano de Direitos Humanos condenou nesta quarta-feira o Estado brasileiro pela falta de investigação, julgamento e punição dos autores do assassínio do jornalista Vladimir Herzog, em 1975. O tribunal entende que o homicídio cometido durante a ditadura militar pode ser classificado de crime contra a humanidade, o que o torna imprescritível. Ao país é ordenada a reabertura do processo judicial e o pagamento de uma indemnização aos familiares de Herzog.

“A CIDH determina que os factos ocorridos contra Vladimir Herzog devem ser considerados como um crime contra a humanidade, conforme definido pelo direito internacional”, pode ler-se na sentença, citada pelo El País Brasil, que exige ao Estado brasileiro que “reinicie, com as devidas diligências, a investigação e o processo penal cabíveis pelos factos ocorridos em 25 de Outubro de 1975”.

Herzog tinha 38 anos quando foi convocado pelo Destacamento de Operações de Informação (DOI) do 2.º Exército de São Paulo para prestar declarações. As ligações do então jornalista da TV Cultura ao Partido Comunista Brasileiro não agradavam àquele órgão de repressão, nem ao Governo militar – na altura presidido pelo general Ernesto Geisel. Foi interrogado e torturado, antes de ser assassinado pelos militares do DOI.

A versão oficial, porém, falava em suicídio – tendo mesmo sido encenado e fotografado o enforcamento de Herzog numa cela. Mas, diz o jornal Folha de São Paulo, eram muitas as evidências de que o jornalista tinha sido torturado e morto pelos militares. E a repercussão da sua morte foi enorme, diz uma análise publicada pelo Instituto Vladimir Herzog. "A partir daquele momento, estava exposta aos olhos do país a crueldade do regime ditatorial em vigência desde 1964. Manifestações populares, principalmente de estudantes, começaram a eclodir, como não acontecia desde 1968".

O assassínio de Herzog, dizem os historiadores, foi um ponto de viragem na percepção dos crimes da ditadura. Uma semana depois do assassínio, mais de oito mil pessoas participaram numa cerimónia inter-religiosa que mobilizou populares, a oposição e empresários de São Paulo - "começava um processo que culminaria na redemocratização do país", diz o texto do Instituto criado em 2009 e que se dedica à defesa da democracia e a liberdade de expressão.

"A reacção ao assassínio foi tão grande que impediu a tomada do controle dos destinos da nação pelos militares da linha dura e levou ao afrouxamento e à distensão política, a partir do governo de Ernesto Geisel", explica o jornal de Florianópolis Notícias do Dia.

Em 1992 o Ministério Público de São Paulo pediu a reabertura do caso, mas a justiça invocou a controversa Lei da Amnistia para bloquear essa pretensão – aprovada em 1979, esta legislação concede um perdão a todos os que cometeram crimes políticos ou eleitorais, entre 2 de Setembro de 1961 e 15 de Agosto de 1979, libertando muitos militares e ex-militares do cumprimento de penas pelos delitos cometidos durante a ditadura.

Uma nova tentativa de reabertura do processo de Herzog foi tentada em 2008, mas a Justiça Federal determinou que os crimes estavam prescritos.

Ora, de acordo com a resolução do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, a classificação do homicídio do jornalista como crime contra a humanidade impossibilita tanto a aplicação da Lei da Amnistia, como a prescrição do mesmo.

A Tribunal entende que, ao aplicar legislação interna que desobedece à Convenção Interamericana de Direitos Humanos, o Brasil “violou o direito a conhecer a verdade” de “Zora, Clarice, André e Ivo Herzog”, a família do jornalista. Para além de exigir a reabertura do caso e uma decisão final no prazo de um ano, ordena à justiça brasileira que indemnize a família em 180 mil dólares (quase 154 mil euros).

A decisão de quarta-feira é a sua segunda condenação ao Brasil pela falta de investigação aos delitos cometidos durante a ditadura militar. Em 2011 foi ordenado o julgamento dos acusados pelos crimes cometidos nos combates com a guerrilha do Araguaia, nos anos de 1970.

Tanto o Ministério dos Negócios Estrangeiros como o Ministério dos Direitos Humanos já reagiram à decisão. De acordo com o Estado de São Paulo, o primeiro “reconheceu” a competência do tribunal com sede em São José (Costa Rica) e prometeu um relatório com todas as medidas tomadas, enquanto o segundo garantiu o “cumprimento integral da sentença”.

“Este ministério reafirma o seu compromisso com as políticas públicas de direito à memória, à verdade e à reparação, reconhecendo a sua importância para a não-repetição, no presente, de violações ocorridas no passado”, afiança o ministério, em comunicado.

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