O "general bonzinho" da ditadura brasileira afinal aprovou execuções sumárias

Investigação revela que, em 1974, o director da CIA relatou que o Presidente Ernesto Geisel deu luz verde à continuação da política de assasínio de "subversivos".

Foto
Geisel à direita, com o seu homólogo paraguaio durante a inauguração de uma ponte entre os dois países REUTERS/R. E. Adorno/Arquivo

Ernesto Geisel, o quatro Presidente da ditadura militar brasileira, que iniciou o processo de abertura que culminou nas eleições de 1985, aprovou pessoalmente a execução sumária pessoas classificadas como “subversivas” e potenciais “ameaças terroristas”, lê-se um memorando da CIA de 1974, enviado para o então secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger, descoberto pelo historiador brasileiro Matias Spektor, da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo-

“Este é o documento mais perturbador que já li em 20 anos de pesquisa: Recém-empossado, Geisel autoriza a continuação da política de assassinatos do regime, mas exige ao Centro de Informações do Exército a autorização prévia do próprio Palácio do Planalto”, escreveu no Twitter Spektor, acrescentando um link para o documento, disponível num arquivo digital do Departamento de Estado norte-americano.

A revelação chocou os brasileiros porque Geisel, que morreu em 1996, é lembrado de forma algo benevolente – o “general bonzinho”, o ditador que deu os primeiros passos para abertura e o fim do regime militar (1964-1985), após um período brutal de cinco anos, que ficou conhecido como os “anos de chumbo”. Embora se soubesse que Geisel foi conivente com a tortura e a o assassínio de opositores do regime – “faltava talvez o carimbo oficial de algum organismo de informação ou de espionagem”, diz a colunista do Globo Ricardo Noblat. Já não falta. Agora tornou-se o “assassino consciente”, diz Noblat

O que o investigador em relações internacionais Matias Spektor descobriu agora, e que estava à vista de todos, é um relatório do então director da CIA, William Colby, sobre uma reunião que aconteceu alguns dias antes entre Geisel, que se tinha tornado Presidente há pouco tempo, em Março de 1974, e vários outros militares de alta patente: o general Milton Tavares de Souza (ex-chefe do Centro de Inteligência do Exército), o general Confúcio Danton de Paula Avelino (o novo chefe do centro), o general João Baptista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) e o próximo Presidente brasileiro, o último da ditadura.

Foi Milton Tavares de Sousa quem falou durante a maior parte do tempo e recordou a acção do Centro de Inteligência do Exército durante o mandato do presidente anterior, Emilio Garrastazu Médici, em que foi decidido que se devia agir contra os “movimentos de subversão interna”, considerados perigosos e de índole terrorista. Essa acção resultou na execução sumária de “cerca de 104 pessoas” em 1973, relatou o general Milton Tavares de Souza, que defendeu que estes métodos extralegais devem continuar a ser usados contra “subversivos perigosos” durante a Administração Geisel.

O Presidente Geisel “comentou acerca da seriedade e aspectos potencialmente prejudiciais desta política”, escreveu o então director da CIA, e disse que queria “pensar sobre o assunto durante o fim-de-semana” e só depois dar o seu parecer final. Mas a 1 de Abril deu o seu veredicto: decidiu que a política de assassínio sumário dos “subversivos” devia continuar.

Sugerir correcção
Ler 4 comentários