Corte de vagas em Lisboa e Porto vai “contribuir para o aumento do abandono escolar”

A redução em 5% dos lugares para novos alunos no ensino público vai levar muitos para o privado e fazer aumentar o abandono escolar, diz António Sousa Pereira, o novo reitor da Universidade do Porto, que nesta quarta-feira toma posse. Promete ser uma voz de “denúncia permanente” das promessas que o Governo nunca cumpriu.

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Adriano Miranda

Licenciado em Medicina pela Universidade do Porto (1985), António Sousa Pereira “fugiu” da carreira hospitalar porque essa era uma altura de “hostilidade” na classe, quando era ministra da Saúde Leonor Beleza. Acabou a dar aulas no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), onde fez toda a carreira académica. A partir de 2004, assumiu também a direcção daquela faculdade. Foi a sua primeira experiência como dirigente, uma função que “nos tempos actuais” exige “algum grau de insanidade mental”, diz ao PÚBLICO na sua primeira entrevista desde que foi eleito.

A Universidade do Porto (UP) foi uma das primeiras instituições a assumir o estatuto de fundação pública de direito privado, em 2009. Como avalia este regime?
Nenhuma das contrapartidas com que o Governo se comprometeu no contrato-programa foi cumprida. Assinámos um contrato de boa-fé e uma das partes pura e simplesmente ignorou-o. Existem vários documentos que avaliam as vantagens e desvantagens do modelo fundacional.

Vê mais vantagens ou desvantagens?
Não vejo vantagens neste momento. É certo que o estatuto de fundação agiliza a realização de certos contratos, mas mesmo alguns contratos que passaram a ser feitos ao abrigo da contratação privada, como o dos professores convidados, estão a ser abandonados, voltando a ser feitos ao abrigo do estatuto da carreira docente, porque estava a haver problemas. Se o Governo cumprir com aquilo a que se comprometeu, haverá vantagens no regime fundacional. Nestas circunstâncias, teremos que reivindicar o cumprimento do contrato.

O contrato com a UP previa um investimento do Estado de 100 milhões de euros entre 2009 e 2014, que nunca foi concretizado. Na actual conjuntura não parece provável que venha a ser...
Mas é possível dar sinais, nomeadamente no sentido de dar mais autonomia. Neste momento, as universidades fundação foram arrastadas para o perímetro de consolidação orçamental da administração pública, o que acaba por ser um imenso jugo em cima de nós. Há coisas que podem ser feitas para valorizar as fundações e que não passam por mais dinheiro. Passa por haver vontade do Governo de considerar as universidades como instituições credíveis, de boas contas e que merecem um tratamento diferenciado.

A UP tem quase 400 docentes perto da idade da reforma. Será uma questão crítica nos próximos quatro anos?
Não temos tradição em Portugal de fazer sobreposição de vínculos e só quando saem os professores mais velhos e se liberta a verba que estão a consumir é que se podem contratar os seus substitutos. Não me parece uma boa solução para garantir o funcionamento das instituições. Precisávamos de ter a cooperação do Governo para que nos permitissem fazer contratações num período razoável antes de as pessoas irem para a reforma. Neste momento não temos mecanismos. Estamos a ver os melhores a fugir-nos e sem ter grandes perspectivas para lhes oferecer.

A universidade não tem meios para fazer isso?
Neste momento estamos agrilhoados pela lei do Orçamento do Estado que nos impede de aumentar os gastos com pessoal acima de uma percentagem que é ínfima [5% em relação à massa salarial do ano anterior]. Também não sabemos o que vai acontecer com a Lei 57/2017 [Lei do Emprego Científico].

Tem noção de qual é o impacto dessa lei na UP?
Não sei dizer exactamente. Há escolas com diferentes graus de impactos. A ideia que presidiu à criação da lei pretendia que esta não tivesse grande impacto financeiro, já que era a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) a suportar os custos destas contratações durante um período de seis anos. Mas a FCT já veio dizer que não paga alguns dos contratos ou, no caso dos bolseiros que venham a assumir funções como docentes, só pagará 50%. Podia ter-se feito uma lei bastante mais perfeita.

Como se responde à precariedade laboral nas universidades?
A UP tem tentado combater isso de uma forma que é bastante eficaz. Em relação ao programa de regularização dos precários do Estado (Prevpap), ainda não fomos contactados pela comissão [bipartida] que tem que tomar decisões. Mas é uma situação que não me preocupa muito, porque são pessoas que já estão na universidade e a valorização do vínculo delas não vai representar um gasto adicional significativo. Em relação aos professores convidados, acredito que haja situações abusivas.

Vai pedir informações?
Isso já estava a ser feito e estava a haver um esforço muito grande no sentido de evitar esse tipo de situações. Mas há uma situação em que teremos sempre convidados que é aqueles indivíduos que são especialistas de uma determinada área e que é de todo o interesse contarmos com a contribuição deles, mas não se justifica fazer um contrato de outra natureza.

A UP é recorrentemente apontada pelos sindicatos como um mau exemplo em matéria de precariedade laboral.
Irei ouvir os sindicatos, mas neste momento não tenho essa ideia.

É impossível escapar à dimensão financeira no discurso das universidades?
Temos que ter a noção de que esta questão é central. Neste momento vivemos uma situação em que não há previsibilidade. Nós temos um orçamento e criamos uma ideia de distribuição. A seguir há uma reposição salarial e não nos dão dinheiro para pagá-la. Ficamos sem saber o que havemos de fazer e temos que reprogramar outra vez tudo. Não há nenhuma estrutura de média e grande dimensão que se possa gerir sem haver previsibilidade dos seus orçamentos.

Esse era um dos pressupostos quando as instituições de ensino superior assinaram um acordo com o Governo no início da legislatura.
Como deve ter reparado, foi rapidamente esquecido.

Foi má ideia assiná-lo?
A ideia foi bem-intencionada, mas depois não se cumpre.

O que podem os reitores fazer?
Têm que denunciar isto com mais veemência. O conselho de reitores das Universidades Portuguesas é uma instituição onde se reúne um conjunto enorme de universidades, que ali encontram o mínimo denominador comum. Não é propriamente o lugar adequado para veicular isto. Temos que ter uma voz mais activa a denunciar permanentemente a falta de cumprimento destes compromissos por parte do Governo.

Nos últimos anos, a UP tem mantido o valor das propinas. É um caminho que vai manter?
Sim, não temos grandes hipóteses de mexer nisso. As propinas são determinadas pelo conselho geral e a determinação do conselho geral tem sido esta. Mas temos que ter noção de que as propinas são, no contexto actual, uma parte muito significativa do orçamento da universidade.

A UP vai ter que lidar com uma realidade nova a partir do próximo ano: a imposição do Governo de um corte de 5% nas vagas das instituições de Lisboa e do Porto. Qual é o impacto dessa medida no orçamento da universidade?
Estamos a falar de menos 420 alunos, a 999 euros por aluno, são mais de 400 mil euros por ano. E a medida em si também é muito discutível. Quando ela foi anunciada, interpretei-a como sendo o início de uma discussão pública sobre as assimetrias regionais. Uma discussão que deve existir. Mas não houve discussão nenhuma. Esta medida ficou isolada e uma medida isolada como esta não resolve nada. Pelo contrário, até tenho receio que agrave tudo.

Em que sentido?
Em Abril, foi publicado um relatório sobre as causas do abandono escolar. A taxa de abandono escolar era maior nas universidades privadas, nas do interior e entre os alunos que não entravam nas primeiras opções. Uma medida destas vai aumentar o número de alunos nas privadas, no interior e fora das primeiras opções. Ou seja, vai potenciar tudo aquilo que foi identificado como factor de abandono escolar. Uma medida deste tipo vai contribuir para o aumento do abandono escolar.

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