Inquérito à construção da torre de Picoas nunca foi concluído

A investigação às obras ilegais num terreno municipal ficou a meio: duas inspecções-gerais recusaram-se a terminá-la. O Ministério Público arquivou queixas sobre o assunto.

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Rita Rodrigues
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Rita Rodrigues

O inquérito à construção de um edifício de escritórios nas Picoas, que a Assembleia Municipal de Lisboa pediu há dois anos, nunca chegou a ser concluído. Uma parte do inquérito foi feita, mas a assembleia considerou que faltava o resto e pediu a conclusão do trabalho, mas tal não aconteceu.

Os deputados municipais pediram as averiguações em Junho de 2016, uns meses depois de se saber que o promotor do edifício de 17 andares tinha cravado estacas num terreno que não lhe pertencia – era municipal.

Já se sabia que, para construir o edifício com 17 andares acima do solo e seis caves de estacionamento, era preciso colocar uma “estrutura de contenção” à volta de todo o lote. Mas o empreiteiro ultrapassou os limites da propriedade privada (pertencente à empresa Edifício 41) e pôs estacas por baixo de uma faixa de passeio da Av. Fontes Pereira de Melo.

Depois de ter detectado as obras ilegais, a câmara ordenou a paragem da empreitada, mas apenas de forma “verbal”, como disse então o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado. E propôs uma permuta de terrenos, para que aquele onde estavam as estacas passasse a ser privado.

O inquérito pedido pela assembleia visava apurar eventuais “responsabilidades por acção ou omissão dos serviços e dirigentes municipais responsáveis pela fiscalização e cumprimento dos procedimentos administrativos aplicáveis”. Os deputados queriam saber, por um lado, se as estacas tinham sido cravadas fora do lote privado por negligência dos técnicos que fiscalizaram a obra. Por outro lado, procuravam averiguar se a licença de escavação emitida pela câmara e a posterior ordem para parar os trabalhos tinham cumprido todas as normas.

O inquérito foi encomendado à Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), mas esta entidade apenas se debruçou sobre a questão da fiscalização, concluindo que não existia “qualquer tipo de ilícito”. As restantes averiguações ficaram por fazer. Até hoje.

O PSD e o BE alertaram, em Novembro de 2016, para o facto de o inquérito estar “incompleto” e a presidente da assembleia, Helena Roseta, deu-lhes razão, contrariando o entendimento de Fernando Medina, que defendeu na altura que a inspecção estava concluída. Depois de um despacho de Roseta, a câmara voltou então a enviar o processo para o IGAMAOT.

Mas de lá veio uma resposta negativa, já em Janeiro de 2017: os pedidos “extravasam por completo o quadro legal de competências atribuídas a esta inspecção”. Umas semanas mais tarde, a autarquia decidiu contactar a Inspecção-Geral de Finanças (IGF), que também não pegou no assunto. “Não é viável a disponibilização de inspector para a realização de diligências adicionais no âmbito do inquérito promovido”, informou a IGF.

O PÚBLICO procurou perceber junto da autarquia se, neste ano e meio, o inquérito tinha sido entregue a outra entidade, mas a câmara não respondeu a essa questão. Em vez disso, o município destacou que “adoptou medidas sancionatórias e de regularização patrimonial”. A solução encontrada para o imbróglio das estacas foi a venda do terreno municipal (onde as ditas já estavam cravadas) ao promotor do edifício. A câmara diz que “recebeu já por parte do promotor da obra a verba de 319 mil euros por uma parcela de terreno municipal com 27 metros quadrados”.

Entretanto, a assembleia decidiu remeter o processo para o Ministério Público. O Departamento de Investigação e Acção Penal arquivou a queixa no início deste ano.

O edifício, desenhado pelos arquitectos Patrícia Barbas e Diogo Seixas Lopes, foi desde sempre apelidado “torre de Picoas” por vereadores e deputados municipais. Está praticamente pronto e, de acordo com o Expresso, foi posto à venda por um valor que deverá rondar os 120 milhões de euros.

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