A casa no centro versus “a cidade policêntrica”

Os deputados municipais eleitos pelo grupo Rui Moreira: o Porto o Nosso Partido chumbaram todas as propostas apresentadas na assembleia municipal sobre habitação

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Paulo Pimenta

A sessão extraordinária da Assembleia Municipal do Porto foi pouco mais do que um conjunto de monólogos, em que os deputados pareciam falar sobre realidades diferentes e não debaterem o mesmo problema. Convocada a pedido do Bloco de Esquerda com o ponto único “Políticas autárquicas de resposta à cessação de arrendamento e aos despejos nas freguesias do centro histórico e noutras freguesias da cidade”, a sessão começou com cerca de 30 manifestantes na rua, que acompanharam parte da intervenção com apitos e bombos a partir do exterior, e terminou com todas as propostas apresentadas pelo Bloco, CDU e PAN – Pessoas Animais Natureza chumbadas.

Onde o BE vê uma situação “de calamidade” e a CDU um caso de “emergência social”, o grupo municipal Rui Moreira, Porto o Nosso Partido, garante que a saída de moradores da zona central da cidade, por cessação dos contratos de arrendamento, “não tem nem as causas nem a dimensão que se apregoa”. A “realidade inquietante” a que se referiu o PS é, afinal, mais do mesmo, para a coligação Porto Autêntico (PSD/PPM), que lembrou aos deputados municipais que o centro histórico tem “perdido habitantes nos últimos 20 anos”. Nas bancadas dedicadas ao público, completamente cheias, ouviam-se murmúrios de incredulidade, apartes zangados e, mais raramente, palmas. A intervenção do presidente da câmara foi acompanhada de muitos comentários em surdina entre aqueles que já tiveram de sair de suas casas ou estão na iminência de o fazer.

A sessão até começou num tom conciliatório, com Susana Constante Pereira, do BE, a saudar os anúncios feitos pela câmara nos últimos dias, sobre o protocolo com a Associação dos Inquilinos e dos Condóminos do Norte de Portugal (que deverá permitir o acesso a orientação jurídica a moradores) e a continuação do exercício do direito de preferência na aquisição de imóveis na cidade, como o Bairro da Tapada. Mas, depois da intervenção da bloquista, Rui Moreira leu um discurso de mais de seis páginas, sem contemplações para as pretensões dos partidos que ali levaram propostas.

O presidente insistiu que as medidas pedidas pelos partidos são da responsabilidade do Estado central, e que este não tem dado qualquer apoio financeiro à autarquia em matéria de habitação. Acusou os partidos de “demagogia”, tentou colar as propostas do BE “à política salazarenta” do congelamento das rendas e não deixou aos moradores presentes grandes esperanças. Explicou que a realidade, “por muito que custe” é pouco dada a contemplações com os mais pobres, mesmo que isso signifique saírem da zona onde nasceram e sempre viveram. “Se alguém pretende possuir uma casa para a vida, que possa transmitir aos seus sucessores, se tem posses para tal, deve adquirir a sua habitação. Se pretende utilizar uma casa, pelo tempo que lhe aprouver, terá de aceitar que, em determinadas circunstâncias previamente definidas, pode ter de mudar de casa, mesmo contra a sua vontade”, disse. E acrescentou: “Por muito que nos custe, não podemos aspirar a que as zonas mais caras das cidades passem a ser, por artes mágicas, disponíveis a quem tem menos recursos”.

E as zonas mais caras da cidade, depois de décadas de abandono, estão, neste momento, no centro histórico, de onde são vários dos manifestantes e que contaram histórias idênticas: contratos de arrendamento que vão terminar, o aviso do senhorio de que os mesmos não serão renovados, porque o prédio foi vendido. A obrigação de terem de sair. Rui Moreira até afirmou que “é importante contrariar o abandono de parte da cidade por quem tem menos posses”, mas lembra que a sua política aposta numa cidade “policêntrica que atenuará a pressão excessiva sobre partes do território” e profere as frases que hão-de suscitar mais murmúrios inconformados entre os moradores que entraram para assistir à sessão: “Também é tão ou mais importante fazer com que as partes da cidade que foram deserdadas, que são mais desfavorecidas passem a ser mais atraentes e tenham melhor qualidade de vida. Para que alguém que aspira a viver na Rua das Flores não desdenhe a hipótese de viver na Corujeira.”

Rui Moreira e os restantes membros do executivo não ficaram para ouvir as intervenções dos moradores (apesar da insistência nesse sentido por parte da deputada Constante Pereira), pelo que já não ouviram Marta Dias – que já foi obrigada a sair da Rua de Miragaia e dorme agora no chão da casa de uma tia, com a filha – dizer que “nem em Fânzeres [Gondomar]” consegue encontrar uma casa que consiga pagar, com o ordenado de 540 euros. Ou Paula Magalhães, que está à espera do dia em que a vão expulsar, com os três filhos e os pais da casa na Rua dos Caldeireiros (a ordem para sair já tem data de Abril passado), dizer o mesmo, que os preços “estão exorbitantes”. Ou para ouvir Ana Barbosa, a única moradora, há um ano de um prédio na Rua da Conceição, e com ordem para sair em 2020, explicar que os deputados que, minutos antes, se tinham rido da expressão “bullying imobiliário”, não sabiam o que era viver assim, num prédio de onde todos os moradores foram afastados e onde a luz das escadas não funciona há um ano. “Nós temos percebido este fenómeno à força”, disse.

Rui Moreira deixou a garantia de que a câmara irá continuar a exercer o direito de preferência, reforçará o apoio aos munícipes sobre os direitos que possuem, vai continuar a tratar da sua habitação social e desenvolverá “novas parcerias público-privadas, utilizando para isso terrenos municipais”. Disse também que o executivo não deixará de aproveitar os instrumentos disponibilizados pelo Estado, no âmbito da iniciativa “Primeiro Direito”, tendo contratado, para o efeito, o professor Alberto de Castro. O grupo municipal eleito pelas suas listas não viu, contudo, qualquer virtude nas propostas levadas à AM, pelo que, sozinho ou com o apoio do Porto Autêntico, as chumbou a todas. Não haverá, por isso, um Observatório da Habitação (uma das propostas do BE) ou um Plano de Emergência com vista o realojamento das famílias despejadas (uma das apresentadas pela CDU), nem tão pouco a criação de um grupo de trabalho sobre habitação, como pretendia o PAN.

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