Câmara do Porto quis exercer o direito de preferência 51 vezes. Só o conseguiu em sete casos

Vendedores desistiram da venda dos imóveis em 30 dos casos pelos quais a câmara mostrou interesse.

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O processo de compra do Bairro da Tapada, nas Fontainhas, está em curso Paulo Pimenta

Desde que começou a exercer o direito de preferência na aquisição de imóveis na cidade, em Junho de 2016, e até Maio deste ano, a Câmara do Porto olhou para 129 casos e comunicou aos proprietários a intenção de avançar com a compra 51 vezes. Contudo, “houve 30 anulações já consumadas pelos vendedores”, explica a assessoria de imprensa do município. Dos 21 processos que restam, só sete foram já concluídos, com a realização da escritura. Os restantes 14 ainda “estão em curso”. As razões para o insucesso têm sido várias, e já levaram o presidente da câmara, Rui Moreira, a pedir uma alteração à lei.

Um dos casos mais recentes, em que a câmara pretendeu exercer o direito de preferência, refere-se a um prédio na Rua de S. Miguel, conforme revelou Rui Moreira na última reunião do executivo. O processo ainda não está encerrado, mas Moreira disse acreditar que o desfecho seria idêntico a muitos outros: a desistência do vendedor. “É um prédio que está todo ocupado. Suspeito que vai acontecer o mesmo... Queremos exercer o direito, há desistência. E só o podemos exercer quando o negócio está feito. Não estamos a prejudicar ninguém, mas sucessivamente os negócios são anulados e pura e simplesmente não conseguimos resolver o problema”, disse.

O gabinete de imprensa da autarquia explica ao PÚBLICO que “nem sempre os vendedores comunicam a razão pela qual desistem da venda”, mas afirma que o município tem conhecimento de três situações distintas: “o vendedor comunica a desistência da venda e posteriormente volta a publicitar novo anúncio com um valor de alienação superior; após comunicação da desistência da venda não volta a ser publicado outro anúncio para o mesmo imóvel; o vendedor comunica que o anúncio estava incorrectamente preenchido, informando, por exemplo, que o valor da venda corresponde apenas à parte de um co-proprietário”.

E há ainda casos mais caricatos, como o do Bairro Maria Vitorina, na Rua da Corticeira 23 e 25. A câmara comunicou ao proprietário a intenção de exercer o direito de preferência, conforme fora já divulgado em Dezembro, mas, segundo fonte da autarquia, o vendedor disse que, afinal, o negócio da venda do bairro incluía outros imóveis que estavam fora da área em que a câmara pode recorrer a esta figura – o direito de preferência só pode ser exercido em Áreas de Reabilitação Urbana com Operações de Reabilitação Urbana aprovadas ou em zonas ou prédios classificados. Este é um dos processos que está pendente, porque os serviços jurídicos do município estão ainda a avaliar se é possível levar avante a intenção de comprar aquele conjunto habitacional.

Caso diferente é o do Bairro da Tapada, ao lado do Maria Vitorina, na Rua da Corticeira 31 e 33, com 38 casas. A venda do imóvel foi comunicada no portal Casa Pronta no final do ano passado. A câmara detectou “imprecisões” no anúncio e solicitou “esclarecimentos e correcções”. Desta vez, ao contrário do que acontece noutros processos, o vendedor não desistiu do processo e o anúncio voltou a ser publicado em Maio. “O município comunicou o exercício do direito de preferência. Estão em curso os procedimentos para a escritura de compra e venda”, esclarece o gabinete de imprensa da autarquia.

Dos 17,9 milhões de euros que correspondiam aos 51 casos em que a Câmara do Porto manifestou a intenção de comprar o imóvel, o município só tinha, de facto, realizado escrituras num valor que rondava os 1,5 milhões de euros, até Março deste ano. O valor médio da aquisição dos imóveis, segundo o gabinete de comunicação da autarquia, situava-se nos “500 mil euros”. Na mesma data, Março, o valor dor processos que estavam a aguardar a realização da escritura era de aproximadamente 7,7 milhões de euros, explicou a mesma fonte.

Apesar de a lei que permite o exercício do direito de preferência já existir desde 2001, a Câmara do Porto só começou a utilizar este recurso em Junho de 2016. O município olha para a localização do imóvel e dá preferência aos que são postos à venda na totalidade (em vez de fracções de um prédio, por exemplo) e aos que se encontram ocupados. O objectivo concreto deste último critério, segundo referiu Rui Moreira na última reunião do executivo, é tentar travar o despejo de moradores. O valor do imóvel é o outro aspecto a ter em conta – a proposta do valor de venda tem de ser compatível com a avaliação feita pelos serviços da câmara. “Os imóveis de habitação são destinados ao arrendamento, mantendo-se os arrendamentos existentes”, explica o gabinete de imprensa da autarquia.

Na última reunião de câmara, a vereadora comunista Ilda Figueiredo sugeriu a Rui Moreira que agendasse uma proposta dirigida ao Governo e à Assembleia da República, com sugestões de alteração à lei. O autarca acolheu o que classificou como “uma boa ideia”. O objectivo será introduzir mecanismos que impeçam o que fonte da autarquia classifica como “vários expedientes” para contornar a lei, muitos deles,avalia, “casos de má-fé”.

Cruzinho: fora de jogo

O Bairro do Cruzinho é um dos casos em que a Câmara do Porto também considerou a compra, mas sem recurso à figura do exercício do direito de preferência, porque o aglomerado operário da zona do Campo Alegre não está inserido numa área em que aquela figura possa ser aplicada. Ainda assim, depois de ter sido noticiado que havia um pedido de informação prévia (PIP) para o local, que previa a destruição das casas unifamiliares, Rui Moreira admitiu o interesse histórico do conjunto e o eventual interesse da câmara na sua aquisição.

O PIP acabaria chumbado, por violar o Plano Director Municipal (PDM), e o município chegou mesmo a perguntar aos proprietários se estariam interessados em vender o imóvel à câmara. Só que o negócio ficou comprometido pelos valores envolvidos. Os proprietários terão comunicado à câmara que tinham dois interessados na compra do bairro por um valor que era dez vezes superior à avaliação que os serviços municipais tinham feito do espaço. Nestas condições, a câmara desistiu da compra. Com Luísa Pinto

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