Rui Moreira disposto a “avaliar a possibilidade” de comprar o bairro operário do Cruzinho

Presidente da Câmara do Porto revelou, na reunião do executivo, que a confeitaria Cunha já pediu a inserção na lista das "lojas históricas" protegidas na cidade

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O antigo bairro operário tem mais de cem anos Nelson Garrido

O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, está disponível para “avaliar a possibilidade” de comprar o Bairro do Cruzinho, o único exemplo dos bairros operários do final do século XIX que ainda persiste na zona do Campo Alegre. A ameaça de demolição do espaço onde ainda vivem treze famílias, e o realojamento dos moradores noutras partes da cidade, não é nova, mas volta a estar em cima da mesa, com a intenção do proprietário de avançar com um projecto para aquele local. A CDU pediu a compra do imóvel pela câmara e Moreira mostrou-se aberto à ideia, ainda que o seu novo vereador da Habitação se revelasse menos entusiasmado.

A notícia da nova ameaça sobre os moradores do Cruzinho foi divulgada pelo Jornal de Notícias, que dava conta da existência de um pedido de informação prévia (PIP) nos serviços da autarquia para que naquele local nascesse um edifício de dez pisos com espaços comerciais, um ginásio e uma residência para estudantes. A vereadora da CDU, Ilda Figueiredo, levou à primeira reunião pública da Câmara do Porto, esta terça-feira, uma proposta para que a autarquia exercesse “o direito de preferência” na compra do bairro, com vista à sua reabilitação e à manutenção dos actuais moradores.

Rui Moreira explicou que o “direito de preferência” não se aplica neste caso – o conjunto não é classificado, não está inserido num plano de pormenor ou numa área de reabilitação urbana – mas admitiu a hipótese de avançar para “negociações” com os proprietários. Reconhecendo que é “um bairro histórico”, o autarca mostrou-se disponível para comprar o conjunto habitacional se tal “for compatível com os interesses da câmara”. Uma ideia que pareceu não agradar ao seu novo vereador da Habitação, Fernando Paulo, que lembrou que a cidade “tem quase mil ilhas” e que já existe um plano para elas, argumentando que a câmara “não se deve substituir” às responsabilidades dos proprietários.

Depois da intervenção de Fernando Paula e de o vereador do Urbanismo, Pedro Baganha, ter garantindo não existir, ainda, “qualquer direito adquirido” para aquele terreno, Rui Moreira insistiu na possibilidade de “avaliar” a possibilidade de compra. Até porque, lembraram Baganha e o autarca, há uma intenção antiga da câmara de intervir na rede viária naquela zona, nomeadamente, no alargamento da Rua do Bom Sucesso, o que irá sempre afectar o bairro operário, que terá de ser parcialmente demolido. “Uma coisa não contraria a outra”, ressalvou Moreira. A autarquia poderia expropriar uma parte para a intervenção viária e preservar o restante, insistiu.

Fernando Paulo não voltou a reclamar e ainda ouviu Ilda Figueiredo dizer-lhe que “o Bairro do Cruzinho não é um bairro qualquer”, mas algo que faz parte “da memória viva da cidade do Porto, pelo que deve ser salvaguardado”. Mas o vereador teve, pelo menos, um aliado na pouca vontade de aquisição do imóvel. O vereador Álvaro Almeida, do PSD, foi claro: “Não me parece que seja uma boa política adquirir equipamentos só porque há pessoas que vão ser despejadas. Avaliar é sempre algo que se pode fazer, mas, a não ser que surja uma razão premente para o adquirir, serei contra”.

O vereador da Habitação garantiu também que estão a ser corrigidos os problemas apontados pelos moradores que irão ocupar as novas casas do Bairro S. João de Deus. Recusando que as divisões das novas habitações sejam mais pequenas do que as que existiam anteriormente – uma das reclamações apresentadas –, Fernando Paulo admitiu a existência de um erro que colocou no 1.º piso dos T1, casas-de-banho que deveriam estar no rés-do-chão. “Esta semana iremos adjudicar a obra para corrigir esta situação e meter as casas-de-banho no piso térreo”, garantiu.

Cunha já pediu reconhecimento como “loja histórica”

Na reunião desta terça-feira, Rui Moreira revelou ainda que a confeitaria e restaurante Cunha pediu, na segunda-feira, o reconhecimento como “loja histórica”, o que, a concretizar-se, deverá impedir o despejo anunciado do espaço icónico da Baixa da cidade. “A Cunha apresentou ontem a candidatura, agora será a comissão independente que irá avaliar”, disse o autarca.

A protecção das lojas históricas, no âmbito do programa Porto de Tradição, foi um dos temas da reunião do executivo, que aprovou, por unanimidade, o reconhecimento como “estabelecimentos de interesse histórico e cultural ou social” da Farmácia Lemos e do restaurante A Regaleira – dois casos que tinham ficado pendentes de nova avaliação, depois de terem sido apresentadas reclamações à sua distinção.

Enquanto ainda se aguarda pelo regulamento do programa Porto de Tradição – que deverá estar pronto muito em breve, segundo o vereador Ricardo Valente – os donos das lojas podem continuar a apresentar candidaturas à distinção de “loja histórica”. O socialista Manuel Pizarro ainda sugeriu que, até lá, a câmara pudesse ter uma “atitude mais proactiva” e contactar ela mesma os donos de lojas com interesse, para os incentivar a concorrer, mas Rui Moreira descartou essa possibilidade, apesar de defender que “a atitude pedagógica por parte da câmara deve ser feita”.

Para o autarca, o mais importante é divulgar o programa, para que os interessados possam candidatar-se – todos os que cumpram os requisitos, incluindo os que tinham sido seleccionados na primeira lista de 83 espaços e que não obtiveram, ainda, o reconhecimento. “Estamos a preparar uma acção, envolvendo a Associação de Comerciantes do Porto, para chamar a atenção para essa possibilidade [de candidatura]”, afirmou o presidente da câmara.

Entretanto, num documento distribuído à vereação e aos jornalistas, os responsáveis pelo Porto de Tradição divulgaram a existência quinze novos requerimentos de lojas à procura de serem distinguidas. São eles a chapelaria Costa Braga & Filhos, Ld.ª, o Pretinho do Japão, Neves & Filha, Ld.ª (Ourives/Joalheiros), o Teatro Sá da Bandeira, a loja de lâmpadas FontLuz, os Armazéns do Castelo, a Deltrilã, a Fausto & Almeida (material eléctrico), O Cochicho (linhas e botões), a Botónia, o Café Moreira, Vaz, Oliveira & C.ª, Ld.ª (tecidos), os Armazéns Patrício, a Ourivesaria Brilhante e A Pérola do Bolhão. A estes junta-se, agora, a Cunha.

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