Que tamanho uma minoria precisa de ter para conseguir uma mudança social?

Além da dimensão de uma minoria, há outros factores como o “compromisso com a causa” defendida que entram em jogo para que haja mudanças na sociedade.

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O movimento #MeToo nasceu nos EUA e aborda a questão do assédio sexual e dos direitos das mulheres Brendan McDermid/arquivo

Passando pelo movimento contra o assédio sexual #MeToo à propaganda política na China e até mesmo ao debate sobre o acesso às armas de fogo nos Estados Unidos, uma investigação publicada na última edição da revista Science mostra o que é preciso para que haja mudanças na sociedade. Segundo o estudo, importa sobretudo que uma minoria atinja 25% do total de uma população para conseguir alterar normas socialmente estabelecidas, mas não só.

A questão pode ser feita de outra forma: qual a dimensão que o movimento #MeToo precisa de ter para conseguir uma mudança de comportamentos na sociedade?  Partindo do princípio de que todos os indivíduos têm os mesmos recursos e poder social, a teoria desenvolvida no artigo Provas experimentais para pontos de inflexão na convenção social, dos autores Damon Centola, Joshua Becker, Devon Brackbill e Andrea Baronchelli, sugere que assim que um grupo minoritário atinge um ponto de inflexão – por outras palavras, um ponto de viragem – de 25% torna-se capaz de influenciar a aceitação de normas, comportamentos e crenças na sociedade.

Se, até agora, modelos teóricos defendiam que apenas era necessário uma representação minoritária de 10% e estudos observacionais diziam que uma minoria precisava de atingir os 40% para se tornar influente, a mais recente investigação empírica desta equipa dos Estados Unidos e Reino Unido chegou a uma conclusão: uma minoria – que corresponda a uma massa crítica e empenhada na causa que defende – precisa de atingir os 25% de uma dada população para conseguir desencadear uma mudança social em larga escala. A aplicabilidade do estudo é ampla e vai desde questões sociais como a igualdade de género, racismo ou direitos dos homossexuais até à aceitação popular do consumo de tabaco ou drogas leves.

Para além de um enquadramento teórico baseado em investigações dos últimos 50 anos sobre as mudanças sociais, este estudo teve também uma parte empírica. Os investigadores desenvolveram, então, “uma hipótese capaz de prever o tamanho da massa crítica necessária para mudar as normas de um grupo e depois testá-la experimentalmente”, explica Damon Centola, da Universidade da Pensilvânia (em Filadélfia, EUA), de acordo com um comunicado de imprensa da instituição.

O estudo envolveu cerca de 200 participantes integrados em comunidades online, divididos em dez grupos de 20 elementos cada. Dentro de cada grupo, foram-se constituindo pares aleatoriamente, aos quais foi pedido que atribuíssem simultaneamente um nome a um determinado objecto representado. Se os participantes conseguissem atribuir o mesmo nome ao objecto recebiam uma recompensa monetária. Assim que ficou estabelecida uma convenção entre todos os membros do grupo, os investigadores introduziam um grupo minoritário empenhado em alterar a norma que tinha sido estabelecida anteriormente. A fase seguinte foi variar o tamanho dessa mesma massa crítica. Em todos os grupos, os tamanhos das minorias necessários para provocar uma mudança variaram entre 15 e 35% da população, numa média de 25%.

Os resultados demonstraram que as minorias menores do que 25% da população só conseguiam, em média, influenciar 6% do grupo restante; enquanto se as minorias fossem maiores do que esse limite conseguiam persuadir entre 72 a 100% da restante população a adoptar uma nova visão alternativa. Os investigadores notaram ainda que apenas um elemento podia marcar a diferença entre o sucesso ou o fracasso na adopção de uma nova norma social.

Porém, variáveis como o tamanho da população ou o alcance da memória dos sujeitos podem ter influência no quão enraizada está uma certa crença ou comportamento e, consequentemente, na resistência à mudança. Por exemplo, alguém cujas crenças estejam mais enraizadas ou que tenha um maior preconceito em relação a um determinado assunto pode ser menos influenciável, pelo que os resultados não são totalmente absolutos.

 

Do #MeToo ao debate sobre as armas de fogo

Em termos práticos, os resultados desta investigação podem aplicar-se a diversas questões sociais que têm marcado a actualidade. Servem para perceber, por exemplo, qual a dimensão que o movimento #MeToo precisa de atingir para conseguir mudanças relacionadas com o assédio sexual e os direitos das mulheres. “O movimento #MeToo e outros movimentos pela igualdade de género no local de trabalho são um óptimo exemplo deste tipo de processo de mudança social”, explicou Damon Centola ao PÚBLICO. “Essas descobertas têm implicações importantes para o activismo social, para a mudança das convenções de género no local de trabalho e para a mudança social em geral”, acrescenta o investigador.

Para além disso, o modelo pode ser aplicado ao mundo online, onde se pode explorar a melhor forma de promover campanhas eficazes que, por exemplo, “inspirem mudanças nos comportamentos ao nível da saúde”, esclareceu ao PÚBLICO o investigador. Nas comunidades online, os sujeitos desenvolvem várias convenções sociais, que vão desde o tipo de conteúdo que deve ou não ser partilhado nas redes sociais, às normas linguísticas usadas nos serviços de mensagens instantâneas. Por outro lado, os resultados mostram que também existem implicações negativas como potenciar o bullying na Internet, manifestações de ódio ou até a propaganda política. No caso do Governo chinês, de acordo com os autores, são utilizadas as redes sociais como a Weibo para fazer propaganda pró-governamental e mudar a direcção do debate público, de forma a travar a agitação social. O estudo é ainda transversal ao controverso debate sobre a legislação de acesso às armas de fogo nos Estados Unidos, exponenciado pelos recentes tiroteios em estabelecimentos de ensino.

Em suma, apesar de os autores assegurarem que são necessários estudos posteriores para determinar a aplicabilidade dos resultados em contextos sociais específicos, lançam uma luz de esperança aos grupos activistas ao afirmar que, de acordo com esta visão, “o poder de pequenos grupos não provém da sua autoridade ou riqueza, mas do seu compromisso com a causa”.

Texto editado por Teresa Firmino

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