Regressar a uma aldeia inventada para voltar a ser feliz

A banda desenhada portuguesa conta com mais um título. Os Regressos é a estreia nas histórias longas de uma dupla que já publicou várias curtas: Pedro Moura (texto) e Marta Teives (desenho).

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Os Regressos, da dupla Pedro Moura (texto)/Marta Teives (desenho) Editora Polvo

Madalena, uma mulher de 40 anos, regressa à aldeia onde cresceu depois da morte da avó. Foi Dona Aires, assim se chamava, quem aceitou tomar conta dela quando os pais chegaram à conclusão de que era demasiado complicado ter nas suas vidas uma criança que parecia viver longe deste mundo.

É este o ponto de partida de Os Regressos, de Pedro Moura (texto) e Marta Teives (desenho), um dos cinco títulos que a editora Polvo acaba de lançar no Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja, a decorrer até 10 de Junho. Um volume que é devedor de um certo realismo mágico, e não é só porque a sua protagonista vai a ler no comboio que a levará até bem perto dos lugares da sua infância e adolescência um volume de contos do argentino Julio Cortázar (Todos os Fogos o Fogo).

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Os Regressos é a primeira longa destes dois autores, que no passado já se juntaram para publicar histórias curtas. Foi feita lado a lado, com muita discussão pelo meio, e tendo por enquadramento duas posições distintas em relação ao mundo rural, universo que lhe serve de cenário: “Eu detesto o campo, a Marta, que é boa pessoa, adora. Foi a Marta que me chamou a atenção para a árvore que não fazia sentido naquela paisagem ou para o pássaro que não existiria ali”,  explicou Pedro Moura numa breve sessão em que o livro foi apresentado.

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Os Regressos, de Pedro Moura (texto) e Marta Teives (desenho), é a primeira longa destes dois autores, que no passado já se juntaram para publicar histórias curtas

“Ali” é Corvelo, uma aldeia inventada que é certamente portuguesa, arrumada entre montes, com a velha ponte que se impõe, o depósito de água à beira da estrada igual a tantos outros que nos habituámos a ver no interior de norte a sul do país, os muros de pedra, as casas pequenas em ruas estreitas, os postes telefónicos com um emaranhado de fios e a mercearia da Tia Bé, uma daquelas lojas onde, adivinhamos, se vende quase tudo e há sempre tempo para dois dedos de conversa.

A atenção ao pormenor é grande, tanto no desenho dos ambientes como no das personagens, e é por isso que tudo parece verdadeiro, mesmo quando se torna altamente inverosímil. “Madalena... Não te recordas da primeira vez que nos viste? Não tiveste medo nenhum... Estranheza alguma... Sabias que fazíamos parte da tua paisagem, tal como as pedras ou o ribeiro... As sombras do trigo... Ou o assobio do vento”, diz-lhe uma das personagens fantásticas com que se cruza ao longo de 60 páginas.

Madalena é uma mulher que, ficamos a saber através de uma narrativa entrecortada por episódio fugazes que a memória lhe empresta e por excertos de Cortázar (A Auto-Estrada do Sul, presumimos), toda a vida lidou com uma saúde mental frágil. É ela quem diz, aliás, logo no começo desta história, cujo desfecho não vamos revelar (o que importa é lê-la), que os pais a deixaram na casa da avó porque era “maluca”. É ela quem fala com Dona Aires, que morreu há dois meses.

“Fizeram-te crer que eram ilusões? Sonhos de criança? Achas que o mundo é assim tão estreito, Madalena?”, pergunta-lhe um cervo do bosque da sua infância, onde vivem também faunos e fadas. É que a protagonista criada por Pedro Moura e Marta Teives é como o escritor argentino, viveu entre seres mágicos, “com um sentido do espaço e do tempo diferente do de todos os outros” (é Cortázar quem o diz). Os que sempre quiseram que Madalena fosse outra coisa.

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