Carnaval fora de época

Na verdade, qualquer regime político tem sempre uma costela carnavalesca e, aborrecendo o gordinho Churchill, é bem verdade que de entre todos os regimes, este é o menos mau.

Os últimos dias têm sido pródigos em acontecimentos no nosso país. Coisa simpática para uma Nação vetusta e que volta e meia precisa de alguma animação que nos faça acordar de um marasmo colectivo provocado por uma síndrome de “eterno queixume” com séculos de hibernação no nosso ADN.

Passámos de primeiros a últimos no Festival da Canção, mas a malta também nunca esperou que um Salvador nos desse a vitória neste “OMNI – objecto musical não identificado”, pelo que já deu jeito encaixar umas massas com a afluência dos “Eurovisãomaníanos” e mais alguma promoção do país. O turismo agradece e ele representa 20% das nossas exportações. E a tendência é crescer, de tal modo que já existe um think tank a negociar com Espanha para arrendar uma parcela do território vizinho onde viveriam os Portugueses não essenciais à indústria do turismo e à figuração das nossas cidades e vilas. “Vão vir charters” diários low-cost a fazer os movimentos pendulares necessários. É aproveitar agora que Rajoy enfrenta uma moção de censura e pode aceitar um preço de saldo.

Andámos a discutir a eutanásia. Ou melhor, os políticos andam a fazê-lo, bem como algumas organizações de diferentes matrizes. Como é habitual nestas coisas, esgrimem-se argumentos terroristas de ambos os lados. Podia-me deter a analisar os projectos de lei pendentes na Assembleia, mas parece-me que os projectos não passarão disso mesmo. E o PCP, neste ponto, teve um papel essencial, depois de acesa discussão interna. Ainda que os projectos fossem aprovados na generalidade e baixassem à 1.ª Comissão, o Presidente da República (PR) ora diz que não vetaria por razões de convicção pessoal (o que se louva nesta e em todas as matérias; afinal ele não é o cidadão Marcelo, mas um órgão de soberania, no âmbito das suas competências), ora existem fugas supostamente de Belém que apontam para um pedido de fiscalização preventiva do eventual decreto. O que me pareceria muito avisado, considerando a eutanásia como o mais complexo e profundo tema sobre o qual um ser humano pode legislar. Mas, não sejamos trengos, como se diz cá no Porto: estas alegadas “fugas de informação” não são inocentes e, consciente ou inconscientemente, visam condicionar as e os Deputados a votar num certo sentido. Ainda que o PR já tenha vindo desmentir a manchete do Expresso.

Acalmada a dita “sociedade civil” com o que julgo vir a ser o chumbo da eutanásia – “morte medicamente assistida” é um útil eufemismo –, encontrando-se na recta final o Secret Story 345, com que nos vamos entreter? Ah, sim! Houve um Ministro e um Secretário de Estado que cometeram o “lapso” de não declararem situações jurídicas de incompatibilidade previstas na lei por a não conhecerem bem. Tenho por hábito, talvez defeito de formação, não formular juízos precipitados, mas lembro que a negligência é também uma forma de culpa e que, quando expressamente punida, acarreta consequências jurídicas. Gostava de ter tido a complacência do Primeiro-Ministro quando, um certo ano, me atrasei na entrega da minha declaração de IRS e, mesmo assim – e bem – tive de pagar a coima respectiva. Ou seja, não pode haver uma lei de primeira para uns e uma de segunda para outros. Estou certo que o Tribunal Constitucional actuará em conformidade, sob requerimento do Ministério Público que, uma vez mais, fez o que devia. Não deveria este último facto ser motivo de encómio, mas, numa democracia que, apesar de levar mais de 40 anos, ainda padece de uma síndrome de adolescência tardia, é digno de registo. O que aconteceria em outros Estados? Basta puxar a cassete do tempo atrás e a resposta está dada.

O que mais me intriga nesta matéria é a aparente inexistência de um escrutínio rigoroso quando alguém se prepara para ocupar um cargo de Ministro ou Secretário de Estado. Nos EUA – fraco exemplo em tanta coisa –, os Serviços Secretos devassam completamente a vida destas pessoas, que voluntariamente o aceitam (presume-se), de modo a evitar ao máximo episódios como este. Lá, existe a noção de que os políticos têm de estar acima de qualquer suspeita, pelo que nenhum Presidente (bem, o Trump não conta…) nomeia um Secretário sem saber até com quem a pessoa dorme (aqui, claramente exagerado, pois não consta que esse facto seja factor de maior ou menor competência). Mas, pronto, também nisto somos amadores e adeptos do que a UNESCO deveria considerar património imaterial da Humanidade portuguesa – o “nacional-porreirismo”. Se é meu amigo, se tem a minha confiança, é quanto basta. E em matéria de amigos, ganhamos qualquer competição mundial. Muito gostava eu e todos os meus concidadãos de ter amigos como, supostamente, um ex-Primeiro-Ministro…

E é fim-de-semana de congresso do PS, sem grande história que não seja passar pelos pingos da chuva destes “episódios” e garantir que se não deseja a maioria absoluta e que a solução da geringonça pode ser reeditada em versão actualizada e, porventura, ampliada. Claro que ninguém acredita nisto, mas seria pouco inteligente da parte do partido dizer o contrário, sabendo-se, como se sabe, que esta legislatura vai ser para cumprir – e bem. Os congressos de qualquer partido são assim como uma espécie de concerto do Tony Carreira em que as e os fãs sabem que as letras e músicas de boa parte do reportório não são do artista, mas isso que importa se o homem tem boa voz e presença em palco? Alguém ainda duvida que os congressos são também uma espécie de “corrente de fé” para reforçar a suposta união das bases e lançar uns sounbdbytes, fazendo mudanças estratégias em órgãos onde certas pessoas são incómodas?

Faz parte da democracia e não deve ser levado a mal, apesar de o Carnaval já ter passado há alguns meses. Na verdade, qualquer regime político tem sempre uma costela carnavalesca e, aborrecendo o gordinho Churchill, é bem verdade que de entre todos os regimes, este é o menos mau. Siga, pois, a festa!

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