Violência

Permitam-nos sentir alguma “fúria” (palavra equivalente a “violência”) perante a súbita sensibilidade e grande empenho dos órgãos de soberania para um problema que parecem ter descoberto só agora. Nunca os vimos assim comovidos com as vítimas de violência doméstica ou com a ainda mais invisível violência contra idosos.

Palavra recorrente (e prática também), “violência” já foi por nós aqui descodificada em momentos anteriores. Todos lamentáveis. Uma das definições: “Facto de obrigar alguém pela força ou pela intimidação a praticar actos que de outro modo não praticaria.” Seguem-se os sinónimos “brutalidade”, “opressão” e o exemplo “acto de violência física”.

A semana começou (14 de Maio) com “violência” na Faixa de Gaza. “O dia da festa em Jerusalém afinal foi o dia dos mortos em Gaza”, título de notícia que dava conta de ter sido “o dia mais mortífero do conflito desde 2014, desviando as atenções da inauguração da embaixada dos EUA”. Morreram 60 pessoas.

Seguiu-se (15 de Maio) “violência” em Alcochete (com as devidas proporções), na academia do Sporting. “Grupo de pessoas de cara tapada entra em Alcochete e agride jogadores”, título de notícia que informava que “Bas Dost (o holandês teve de ser suturado na cabeça) e Misic foram agredidos, assim como Mário Monteiro, do corpo técnico. Houve também uma tentativa de agressão a Jorge Jesus”.

A fechar a semana (18 de Maio), “violência” numa escola norte-americana. “Atirador de 17 anos faz pelo menos dez mortos em escola no Texas”, título de notícia que descrevia: “Polícia deteve o principal suspeito e uma segunda pessoa. Autoridades afirmam ter localizado engenhos explosivos.”

A cada um destes episódios poder-se-ia atribuir, respectivamente, os sinónimos “crueldade”, “brutalidade” e “desumanidade”.

“Violência” para leitores, ouvintes e telespectadores é também o tempo e o espaço desmedidos que nós, comunicação social, demos ao que se passou com o Sporting (e ainda vai durar).

Permitam-nos sentir alguma “fúria” (palavra equivalente a “violência”) perante a súbita sensibilidade e grande empenho dos órgãos de soberania para um problema que parecem ter descoberto só agora. Nunca os vimos assim comovidos com as vítimas de violência doméstica ou com a crescente e ainda mais invisível violência contra idosos.

A rubrica Palavras, expressões e algumas irritações encontra-se publicada no P2, caderno de domingo do PÚBLICO

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