OMS prepara-se para o pior cenário do Ébola no Congo

Organização Mundial de Saúde espera autorização do governo da República Democrática do Congo para usar uma vacina experimental na zona afectada pelo surto de Ébola. Há uma morte e 11 casos de infecção confirmados.

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Maior epidemia do Ébola afectou a Guiné-Conacri, Serra Leoa e Libéria, e terminou há dois anos depois de matar mais de 11 mil pessoas EPA/AHMED JALLANZO

A Organização Mundial de Saúde (OMS) disse nesta sexta-feira que espera poder usar uma vacina experimental contra o Ébola para combater o surto que afecta uma área remota do Congo, na província do Equateur, e para tentar evitar que o vírus se espalhe, particularmente para a capital que tem cerca de um milhão de habitantes. O ministério da Saúde da República Democrática do Congo confirmou o surto na terça-feira, com 32 casos suspeitos de infecção desde 4 de Abril, incluindo 18 mortes. 

O surto, para já, estará limitado a uma região no Noroeste do Congo. Apesar de se tratar de uma situação preocupante, o país  tem alguma experiência para lidar agora com o perigoso vírus. É a nona vez que há registos de um surto de Ébola na República Democrática do Congo (ex-Zaire), cujo nome do rio Ébola emprestou a designação a este vírus letal quando foi descoberto nos anos 70. Os novos casos de infecção surgem neste país do Centro de África menos de um ano depois do último surto, quando houve oito pessoas infectadas, quatro dos quais morreram.

O facto de a República Democrática do Congo ter um vasto território remoto é uma vantagem neste caso, uma vez que os surtos de Ébola costumam ser localizados e relativamente fáceis de isolar. Na quinta-feira, o ministro da Saúde da República Democrática do Congo, Oly Ilunga, anunciou que tinha sido confirmada uma morte por infecção com o vírus Ebola neste novo surto. E disse que 11 outras pessoas estão confirmadas como estando infectadas. Pelo menos 18 pessoas morreram desde que os habitantes de uma aldeia no noroeste do país começaram a apresentar sintomas semelhantes aos do Ébola há já alguns meses. No entanto, esses casos não foram confirmados por testes laboratoriais como sendo vítimas do Ébola.

O Ministério da Saúde adiantou ainda que foi enviada uma equipa de 12 especialistas para a área afectada para tentar rastrear novos contactos da doença, identificar aldeias em risco e fornecer recursos para combater a epidemia. O Ébola é mais conhecido e mais temido pelas hemorragias que pode causar, mas os primeiros sintomas podem ser vagos, incluindo febre, dores musculares, diarreia e náuseas.

Pensa-se que o vírus do Ébola se dissemina a grandes distâncias através de morcegos, que são hospedeiros do vírus sem ficarem doentes nem morrerem, mas infectam outros animais, como os macacos. Geralmente, o vírus contamina os seres humanos através da carne infectada de animais selvagens caçados na floresta.

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Vírus do Ébola REUTERS/Frederick Murphy/CDC

Na África ocidental, viveu-se há pouco tempo a maior epidemia de Ébola de que há memória, que terminou há dois anos. Matou mais de 11.300 pessoas e infectou cerca de 28.600, à medida que se espalhou através da Guiné-Conacri, Serra Leoa e Libéria, até que foi finalmente contida.

"Vai ser difícil e vai ser caro"

As críticas a uma resposta tardia da OMS a este grande surto entre 2014 e 2016 estarão a fazer com que, desta vez, sejam tomadas medidas de precaução com mais rapidez. "Estamos muito preocupados e estamos a preparar-nos para todos os cenários, incluindo o pior cenário possível", disse Peter Salama, director-geral adjunto de Preparação e Resposta a Emergências da OMS, durante uma conferência de imprensa da ONU, esta sexta-feira, em Genebra, Suíça.

A área onde surgiu o surto fica a 15 horas de moto da cidade mais próxima e tem infra-estruturas "absolutamente terríveis", disse o responsável, adiantando que a OMS quer enviar entre 20 a 40 especialistas para o local em helicópteros durante este fim-de-semana. “Isto vai ser difícil e vai ser caro acabar com esse surto", avisou. Num comunicado, a OMS adianta que tem actualmente um milhão de dólares (cerca de 850 mil euros) do fundo de emergência para garantir uma resposta rápida a este surto.

Em risco mais imediato está a capital provincial, Mbandaka, com cerca de um milhão de habitantes, mas os nove vizinhos do Congo também foram colocados em alerta máximo caso a doença atravesse uma fronteira, especialmente por rio para a República do Congo ou a República Centro-Africana. A Gâmbia, a Guiné e a Nigéria já disseram que estão a tomar medidas para garantir que o vírus não se espalhe, e o Ministério da Saúde do Quénia anunciou esta sexta-feira que irá reforçar a triagem de viajantes com scanners térmicos nos aeroportos.

Normalmente, o facto de o surto surgir num lugar remoto reduz as hipóteses de propagação da doença. No entanto, segundo a OMS, já existem três locais distintos, que cobrem 60 km ou mais, que terão sido afectados, com algumas vítimas entre os profissionais de saúde. Esta realidade pode funcionar como "um factor de amplificação" para os surtos, disse Peter Salama. O responsável lembrou ainda que a cultura local, com curandeiros tradicionais e enterros comunais, onde houve contacto próximo com o falecido, pode causar "super-disseminação" do Ébola, que mata até 90% dos doentes.

Peter Salama referiu ainda que falou na quinta-feira com o ministro da Saúde do Congo, Oly Ilunga, e espera obter aprovação para dentro de alguns dias usar uma vacina experimental, desenvolvida pela farmacêutica Merck em 2016. Embora seja considerada muito eficaz, esta vacina ainda é experimental, não foi licenciada e deve ser mantida a uma temperatura muito baixa, entre os 60 e 80 graus Celsius negativos. 

"Esta é uma operação muito complicada e sofisticada para desenvolver num dos terrenos mais difíceis da Terra", disse Peter Salama, garantindo que a OMS já têm o stock necessário de vacinas. Segundo explicou, esta vacina pode ser usada para proteger pessoas que tiveram contacto com vítimas do Ébola, impedindo a sua disseminação, mas isso requer um processo de rastreio intensivo dos contactos, o que poderá levar uma semana ou duas apenas para os casos já documentados.

O ministro da saúde Oly Ilunga disse na quinta-feira que o risco para áreas urbanas e os casos registados entre os profissionais de saúde tornou o surto preocupante, e que os trabalhadores de saúde podem ser a prioridade para a vacinação.

Peter Salama disse ainda que a OMS está a preparar-se para o sinal verde e espera ter um laboratório móvel operacional durante este fim-de-semana, e que tanto a OMS como a organização Médicos Sem Fronteiras já têm uma equipa no local. Por fim, o responsável da OMS adiantou que não há provas de uma ligação entre este surto e as oito mortes ocorridas em Janeiro e Fevereiro na mesma área, que não foram confirmadas como sendo casos do Ébola.

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