“Não se pode, em segurança, afastar a existência de crime”, disse Polícia Judiciária Militar

Seis meses depois de se opor ao arquivamento, chefe da Polícia Judiciária de Coimbra conclui, pelas mesmas palavras do general comandante da Região Militar do Centro, que não houve crime.

Foto
Rui Gaudêncio

O Tribunal Judicial de Abrantes entregou a investigação às duas mortes nos Comandos em 1988 à Polícia Judiciária Militar por se tratar de “factos que ocorreram em serviço e por causa dele”. O Código de Justiça Militar (CJM) de 1977, distinto do actual, não previa a intervenção do Ministério Público. Numa declaração, com data de 3 de Junho (a mesma do relatório da autópsia), o tribunal esclarece: “No âmbito desses exercícios militares, os homens falecidos sentiram-se mal e após serem evacuados de helicóptero para o Hospital Distrital de Abrantes vieram a sucumbir. É indesmentível que os factos ocorreram em serviço e por causa dele. Assim, a existir e a indiciar-se alguma infracção penal, ela terá natureza essencialmente militar”. 

A 9 de Junho, e já depois de realizadas as inquirições, o investigador major António Fernandes dos Santos considera inútil passar à fase de instrução do processo. “Por tudo o que fica exposto, parece não haver indícios informativos bastantes de crime essencialmente militar ou outro e atentamente analisados os autos mostram-se esgotadas as diligências de investigação, em termos de considerar inútil passarem à fase de instrução, sem quaisquer garantias de sucesso”, justificou então.

No mesmo dia, o seu superior hierárquico, chefe da delegação da Polícia Judiciária Militar de Coimbra, coronel de Cavalaria Jorge de Gouveia Falcão, conclui, pelo contrário, que “não se pode, em segurança, afastar a existência de crime”. E escreve no seu parecer, citando o Código de Justiça Militar, que “os crimes culposos de homicídio e ofensas corporais cometidos por militares em acto ou em local de serviço serão punidos com a pena de presídio militar de seis meses a dois anos”, apesar de constatar “a aparente improbabilidade alicerçada nos elementos já disponíveis”. 

Polícia não quis arquivar

Das várias actuações possíveis ao seu alcance – entre as quais recomendar o arquivamento do processo – o coronel Gouveia Falcão escolhe ordenar “a passagem dos autos à instrução para aí (…) prosseguir as diligências investigatórias” e considera ainda “ser de admitir interessar às averiguações de âmbito não criminal em curso no Exército” (de foro disciplinar) recomendando que os autos fossem “remetidos ao general comandante da Região Militar do Centro”. Fê-lo, esclarece, em nome da “ponderação, certeza e segurança jurídico-penal”, que define como “necessariamente” recomendáveis.

A investigação do juiz de instrução Manuel António de Almeida Ribeiro centra-se,a partir de então, no apuramento das circunstâncias que levaram a uma demora na chegada do helicóptero de salvamento e assistência, nunca se debruçando na discussão das causas que teriam provocado o colapso dos instruendos e a forte afluência (dos 100) ao posto de socorros para serem assistidos na tarde de 14 de Abril.

Menos de seis meses depois, o coronel e chefe da delegação de Coimbra da Polícia Judiciária Militar, num entendimento totalmente diferente daquele que tivera em Junho, concluiu, numa declaração semelhante à do comandante militar do Centro, que “desde logo é de afastar o dolo” durante a instrução, bem como a negligência nas duas mortes. E recomenda que, “não se encontrando (…) razões de imputabilidade de responsabilidade à instrução”, se deva centrar a “reflexão nos cuidados de assistência de que foram objecto os militares”.

“[Os meios aéreos chegaram tarde de mais], mas não vemos como imputar quaisquer responsabilidades a quem detinha o comando”, concluiu, depois de constatar a existência de “indícios de que [os médicos] se mantiveram sempre a controlar a situação e logo que tal controlo lhes começou a escapar decidiram pela evacuação para um hospital”.

O chefe da delegação da Polícia Judiciária Militar de Coimbra acrescenta que, nos autos, abundam os indícios de que estes dois jovens “foram vítimas da sua própria voluntariedade” e considera que deve ser o instruendo “a dar o primeiro sinal”, por não existirem “meios de controlo de capacidades e do equilíbrio biopsicofisiológico, capazes de, à distância, se saber das possibilidades de resposta do indivíduo”. Por fim, conclui que o comandante militar do Centro pode, “com segurança, ordenar o arquivamento dos autos, por inexistência de crime.”

Sugerir correcção
Comentar