Ouçam João Gilberto!

A qualquer momento podem arrombar a porta do artista que mais horror tem à violência, à exposição e ao barulho.

Não consigo ler as notícias assustadoras sobre João Gilberto sem me revoltar. Nuno Pacheco escreveu aqui no PÚBLICO um retrato da situação tão completo como permite o pouco que se sabe.

A qualquer momento podem arrombar a porta do artista que mais horror tem à violência, à exposição e ao barulho. Arrombar a porta de um recluso voluntário como sempre foi João Gilberto é uma violação inaceitável da privacidade, da segurança e do sossego dum artista extraordinariamente sensível.

Ele é especial? É. É um génio. Criou não só uma obra como um mundo musical onde muitos outros puderam viver - e viver disso. Porque é que a sensibilidade dele tem de ser protegida? Porque foi ela que nos deu a música de João Gilberto. 

As dívidas de João Gilberto devem-se à não comparência dele em concertos - outro hábito dele que toda a gente conhece e aceita. Também era famoso por isso. Já era bom comprar bilhete e ter o prazer da esperança dele aparecer - diziam os espectadores quando lhes era devolvido o dinheiro dos bilhetes. 

João Gilberto deve cerca de 2 milhões de reais: 500 mil euros. Não é só o estado brasileiro que deveria calmamente pagar aos credores. O mundo inteiro tem uma imensa dívida de prazer para com João Gilberto. Temos a obrigação não só de ajudá-lo mas de ajudá-lo de maneira a que ele não saiba que o ajudámos.

O nosso dever, nascido dessa nossa dívida (essa sim gigantesca demais para alguma vez ser paga) é sossegá-lo, protegê-lo, deixá-lo em paz. Basta ouvi-lo para saber como.

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