O que une a esquerda à “direita regionalista”?

Na escola, aprendemos que a “diversidade funcional de usos e actividades” nos centros é fundamental para as cidades. Agora, dizem que isto é um “conceito de esquerda”.

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Esta semana diverti-me a ler no Observador que só as pessoas de esquerda e da “direita regionalista” é que estão preocupadas com o que se está a passar nos centros históricos das cidades portuguesas.

Se calhar é verdade.

Eberhard van der Laan, mayor de Amesterdão durante os últimos sete anos, era do Partido Trabalhista; Edwin Mah Lee, mayor de São Francisco até Dezembro, era do Partido Democrata; Ada Colau, actual presidente da Câmara de Barcelona, é de uma plataforma de esquerda; Anne Hidalgo, presidente da Câmara de Paris, é do Partido Socialista; e Michael Müller, presidente da Câmara de Berlim, é do SPD. Há com certeza outros casos interessantes, mas estas cinco cidades estão na vanguarda desta discussão: ao mesmo tempo que lutam por mais turistas, ensaiam novas respostas para travar o impacto negativo do turismo sem regras.

Estamos contentes com o que aconteceu no Algarve ou algumas regras “imobilistas e reaccionárias” teriam tido bom uso? Se aplicar medidas que protegem as cidades contra o vírus dos cenários de plástico é ser de esquerda, abram alas e deixem entrar mais mayors defensores desta ideia que, aos olhos da direita não regionalista (isso faz deles o quê?), é tão insólita.

Em Amesterdão, uma das “ideias de esquerda” foi congelar as “lojas para turistas” no centro histórico. Numa área de 40 ruas, há 280 lojas mais ou menos iguais, que vendem uma destas cinco coisas: waffles, queijos, gelados, bugigangas “típicas” e bilhetes para passeios nos canais. Rua após rua, é tudo igual. A câmara veio tarde, mas veio. Disse que eram de mais e pôs um ponto final.

O que seria a Baixa de Lisboa (Rua da Madalena, Fanqueiros, Douradores, Prata, Correeiros, Augusta, Sapateiros, Ouro, Crucifixo e, a seguir, Chiado acima, Nova do Almada, Garrett, Ivens, Anchieta, Serpa Pinto, António Maria Cardoso, Alecrim...) toda igual à Rua Augusta actual? É disso que estamos a falar.

Na semana passada, depois de o actual marquês de Pombal ter triplicado a renda dos antiquários e alfarrabistas da Rua do Alecrim, fiz uma “proposta modesta” swiftiana. Hoje proponho uma maquete imaginária. Para quê manter a farmácia Andrade, que está lá há mais de 180 anos e bem podia dar lugar a uma Zara ou a um hotel? E se em vez da Brasileira houvesse mais uma loja de enguias em lata? E se em vez da Bertrand houvesse outra Zara? E se em vez da Casa Pereira houvesse outro hotel? E se em vez da Paris em Lisboa houvesse outra Zara? E se em vez da florista Pequeno Jardim houvesse outra Zara? A Havaneza podia ser uma Zara Kids e a André Ópticas, bom, vendo bem outra Zara não ficava mal. O Aníbal Gravador, na Nova do Almada, escusa de se mudar para a Amadora. Não se faz uma Zara num espaço tão exíguo e sempre disponibiliza um cenário “típico” para os clientes do hostel que abriu em cima (quando passam, tiram fotografias com Maria Manuela Pinto, e têm uma “experiência”). A Barbearia Campos, que diz “Cabelleireiro” e onde o Eça e o Almada iam, está parada no tempo e não inova desde 1886 (o patrão actual deve ser de esquerda). A própria Ferin dá uma boa Zara com o seu tecto em arcos e a Casa das Velas do Loreto, ali desde 1789, dava uma bela Zara Home. Qual é o medo de ter tantas Zaras num pequeno bairro? Não temos a Rua Conceição cheia de retrosarias?

Traduzindo: imaginem uma maquete em que todo o CBD — o Central Business District como aprendemos aos 12 anos nas aulas de Geografia — perdeu a variedade e complexidade e aquilo a que os especialistas chamam “diversidade funcional de usos e actividades”.

Ou será que isto são tudo conceitos de esquerda? Se assim for, quando for tudo igual, porta-sim, porta-sim, porta-sim, quando o comércio for monótono e repetitivo, teremos um belo centro histórico de direita?! Não acredito. Há seis meses fui à (renovada) Pastelaria Mexicana. Ficou um lugar bonito para levar Donald Trump a lanchar.

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