Turistas em Amesterdão? A fórmula é proibir e redireccionar

Duas coisas funcionam. Os cidadãos exigem e protestam; e os políticos ouvem, procuram soluções e depois consensos.

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Amesterdão é hoje um laboratório a céu aberto das políticas públicas de combate ao excesso de turistas. Lisboa e Porto, duas das cidades europeias que mais estão a crescer, bem podiam adaptar algumas das ideias. Enquanto ainda há tempo.

Antecipando as críticas: a Holanda é um país rico e Amesterdão uma atracção turística à escala planetária, tem Van Gogh, os queijos e os canais, para não falar das prostitutas à janela — Lisboa está noutro campeonato, não se podem comparar maçãs com laranjas. Sim, os holandeses conseguem coisas com o seu “modelo pólder”, no qual as decisões são tomadas com base no consenso, que povos pouco habituados ao compromisso e que encaram a cedência como fraqueza nunca conseguirão. Pelo menos num aspecto, os portugueses tiveram uma vida fácil: a contínua batalha dos holandeses contra a água — que o historiador Simon Schama identifica em The Embarrassment of Riches como um dos pilares do “espírito holandês” — fez deles gente capaz do impensável.

Mas hoje, para muitos dos 850 mil residentes de Amesterdão, impensável é ir à “old town”. Nas ruas à volta do palácio real há 280 lojas de waffles; queijos; gelados; donuts; bugigangas várias como meias com padrão de folha de marijuana; aluguer de bicicletas, e bilheteiras para passeios nos canais ou visitas ao Museu da Prostituição. “O centro histórico é horrível... Tenho dois amigos que moram lá... Tem demasiados turistas, sobretudo aos fins-de-semana, quando há festas de despedida de solteiro de ingleses por todo o lado...”, diz um holandês que mora nos Canais Ocidentais, que é no centro de Amesterdão mas a três canais (ou dez minutos a pé) da “old town”. Como é que vive com esse excesso de turismo? “Nunca, nunca lá vou!”

As autoridades não podem fazer o mesmo. Os turistas aumentaram de 12 para 17 milhões/ano nos últimos cinco anos. Tal como a água não vai parar de subir, os turistas não vão desaparecer. Oiço muitas vezes que os residentes do centro histórico de Lisboa têm de aceitar a realidade, que a transformação é inexorável e que tudo tem um preço. Mas se os holandeses estão à nossa frente em desenvolvimento, riqueza e turismo, também estão à frente na luta anti-Disneyficação.

Os resultados da pressão dos residentes estão à vista. Em dois anos, estas são algumas das ideias postas em prática pela cidade: a autarquia criou uma gigantesca base de dados com os registos dos chips dos City Card que muitos turistas compram à chegada e descobriu que há um padrão: de manhã as pessoas vão ao Museu Van Gogh e à tarde andam de barco nos canais. E assim, tal como em Lisboa, quando carregam o passe Viva no Rossio, os turistas são avisados pela Carris para terem cuidado com os carteiristas no eléctrico 28, em Amesterdão, quando compram o City Card, os turistas são informados de que, para evitar multidões, o melhor é passear de barco de manhã. A cobertura do passe dos transportes públicos também foi alargada 30 quilómetros de modo a empurrar pessoas para fora do centro. Outra experiência é o live feed que mostra as filas à porta dos principais museus. Além disso, uma nova app envia notificações quando as atracções mais populares estão muitos cheias. Em Outubro, a cidade proibiu a abertura de novas “lojas para turistas” em 40 ruas do centro histórico (muito além da “old town”), dizendo que 280 é demais. “Há demasiadas lojas a vender coisas iguais e isso não é bom para a nossa qualidade de vida”, disse Kajsa Ollengren, vice-presidente da câmara com o pelouro dos assuntos económicos. No mesmo mês, a autarquia proibiu o aluguer de apartamentos através do Airbnb por mais de 60 dias por ano (as multas são de seis mil euros). Assumindo de forma explícita — e sem o embaraço de que fala Schama —, o governo local diz que não quer turistas low cost (25%) e por isso está a discutir a introdução de uma nova taxa fixa de dez euros por noite de hotel, à qual seria somada uma percentagem da conta do hotel. O dinheiro seria usado para reforçar o policiamento e os serviços de limpeza das ruas. Em Setembro, foi decidido que em 2018 a “taxa dos turistas” vai subir de 5% para 6% (cobrada pelos hotéis), mas a medida é vista como sendo apenas um passo de um processo incremental. Isto depois da moratória que proibiu a construção de novos hotéis no centro a partir de Janeiro de 2016.

Algumas destas novas regras já virão tarde para Amesterdão. Mas são uma bandeira de alerta para as cidades, como Lisboa e Porto, cujos centros históricos ainda não são 100% de plástico.

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