De Tancos aos incêndios há um padrão

Em Tancos e nos incêndios, se há medo de dizer a verdade, alguém confia que este vai ser melhor?

São 20 anos de culpa, mas a culpa é de ninguém. As 100 páginas que Azeredo Lopes entregou esta semana aos deputados só têm paralelo num episódio dos Monty Python. A tese, em síntese, é que falharam as rondas, falharam os meios, falhou a videovigilância, falhou a infra-estrutura, falharam as inspecções, falhou o orçamento, falharam as ordens. A única coisa que não falhou foram os avisos, que vieram de muita gente de dentro do Exército. E, claro, também não falharam as culpas – mas essas ficaram só para quem falhou nas rondas (ou em pôr na lista umas munições que ninguém sabia terem sido roubadas).

O que custa no relatório entregue pelo ministro da Defesa é o permanente esforço para dizer que não houve culpa sua, apenas azar – porque os problemas tinham mais de 20 anos e ele só conseguiu dar instruções para reparar os males uns meses ou semanas antes do furto. E é também o pano que passa sobre todo o tipo de chefias militares, que pelos vistos só podem ser responsabilizadas se os tribunais assim o disserem.

O guião, de resto, deve estar inscrito no Conselho de Ministros, porque era o que estava a ser seguido também no relatório sobre os incêndios de Outubro. Nesse, os peritos acusavam o executivo de ter ignorado os alertas e de não ter mobilizado os meios todos para um perigo iminente de grandes incêndios. Foi apenas quatro meses depois de Pedrógão, mas a tragédia repetiu-se. E nem uma palavra sobre culpas – só uma demissão a pedido (da própria ministra) e outra por via das notícias (no topo da Protecção Civil).

O problema da culpa não é, de todo, o de não haver quem a assuma, mas antes a sensação que fica de que o Governo não percebeu o que se passou. Em Tancos, desvalorizou sucessivos alertas sobre a violabilidade da segurança nacional; nos incêndios, ignorou que todo o comando operacional precisa de uma mudança estrutural. 

Ao invés, Azeredo dilui responsabilidades por um calendário com muitos anos. E Eduardo Cabrita atira-as para o tempo – como se nada pudesse ser feito para impedir o pior. 

Não serei injusto com o Governo. Depois da casa roubada, o ministro da Defesa soube blindá-la melhor. Só que a desculpabilização das chefias não ajuda a mudar as mentalidades e permite uma repetição dos erros. Quanto aos incêndios, Costa e Cabrita começaram a mudar alguma coisa. Mas há tanto, tanto, por fazer, que o Verão já queima com a chegada da Primavera. Se há medo de dizer a verdade, alguém confia que este vai ser melhor?

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