O que aconteceu em Salisbury pode acontecer em Lisboa

Actualmente, apenas a Rússia combina um historial de assassinatos patrocinados pelo Estado, um motivo explícito para atingir Serguei Skripal e antecedentes na produção de Novichok.

Num calmo domingo numa cidade do Reino Unido com uma das mais belas catedrais, um pai e a sua filha foram atingidos com um agente neurotóxico — tendo sido esta a primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial que este agente é utilizado de forma ofensiva na Europa. 

Serguei e Iulia Skripal permanecem ainda muito doentes no hospital. Um agente da polícia que os assistiu também ficou em estado crítico. Outras 35 pessoas tiveram de receber tratamento médico, simplesmente por estarem na zona na altura em que esta substância foi libertada.

O que aconteceu em Salisbury no dia 4 de Março foi uma tentativa descarada para assassinar civis em solo britânico, colocando em perigo qualquer pessoa — de qualquer nacionalidade — que se encontrasse nas proximidades. Se foi possível isto acontecer em Salisbury, a verdade é que um incidente deste tipo pode acontecer em qualquer lugar.

Cientistas britânicos identificaram a substância usada contra os Skripals como um agente neurotóxico de classe militar russo, conhecido como “Novichok”. Actualmente, apenas a Rússia combina um historial de assassinatos patrocinados pelo Estado, um motivo explícito para atingir Serguei Skripal e antecedentes na produção de Novichok.

Após o ataque, o Governo britânico deu ao Kremlin uma oportunidade para explicar se alguma reserva desta substância desaparecera. Contudo, este pedido foi desdenhosamente ignorado, deixando o meu Governo sem escolha, excepto a de concluir que o Estado russo foi responsável por uma tentativa de assassinato numa cidade britânica, com recurso a um agente neurotóxico letal proibido pela Convenção sobre as Armas Químicas.

O incidente de Salisbury enquadra-se no padrão de comportamento do Kremlin à margem da lei. Desde 2014, a Rússia anexou a Crimeia, inflamou o conflito no Leste da Ucrânia, interceptou ilegalmente o Parlamento alemão e o Governo dinamarquês e interferiu nas eleições europeias.

Agora chegaram ao ponto de usar um agente neurotóxico proibido em solo europeu. Só por sorte não foram hospitalizadas mais pessoas em Salisbury; é óbvio que os autores deste ataque não se preocuparam com o número de inocentes que colocaram em perigo.

O Reino Unido reagiu expulsando da Embaixada da Rússia em Londres 23 agentes dos serviços de informação não declarados. Mas toda a comunidade internacional tem de se unir para defender as regras das quais depende a segurança de cada país. Se não o fizermos, então a Rússia manterá o seu padrão de comportamento perigoso e destrutivo.

Estamos muito gratos pela solidariedade expressa pelo Governo português, primeiro através de um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros “condenando veementemente esta inaceitável tentativa de assassinato com o uso de um agente neurotóxico de elevada sofisticação, em total desrespeito pelas leis internacionais”; e posteriormente através da declaração conjunta dos MNE da UE, em que afirmam levar extremamente a sério as informações segundo as quais é altamente provável que haja responsabilidade russa nesse ataque.

O nosso diferendo não é com o povo russo, cujos feitos culturais e literários se têm destacado com brilhantismo ao longo dos séculos. Jamais esqueceremos a coragem demonstrada pela nação russa durante a Segunda Guerra Mundial, nem a nossa aliança comum contra o nazismo. Mas todos partilhamos a obrigação de fazer frente à ambição do Kremlin de dividir e enfraquecer a comunidade internacional.

Embora a resposta do Reino Unido tenha sido robusta, também permaneceu fiel aos seus valores como uma democracia liberal que acredita no Estado de direito. Muitos russos fizeram do Reino Unido a sua casa. Cumprem as nossas leis, dão um importante contributo para a nossa sociedade e continuam a ser bem-vindos.

Mas sempre que o Estado russo viola regras internacionais torna-se uma ameaça maior. Este ultraje ocorreu numa pacífica cidade de província no Reino Unido. Da próxima vez pode ser em solo português ou mesmo em Lisboa.

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