Durão Barroso contesta "ataque político pessoal pouco velado" da Provedora Europeia

Provedoradada UE sugere que a Comissão decrete uma proibição formal de contactos com Barroso por um período de tempo alargado. Antigo presidente contesta o conteúdo das 17 páginas de recomendações.

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Nuno Ferreira Santo

O ex-presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, que agora é presidente não executivo do banco Goldman Sachs, reagiu a uma reprimenda da Provedora de Justiça (Ombudsman) da União Europeia, Emily O’Reilly, por causa de um encontro que manteve com o vice-presidente da Comissão, Jyrki Katainen. Com uma mensagem no Twitter, repete que “nunca realizou, nem realizará, qualquer acção de lobby junto de funcionários da União Europeia”.

Essa foi a resposta que Barroso enviou a Emily O’Reilly no âmbito de um inquérito aberto às suas actividades de lobby — e foi também o compromisso que assinou, em Julho de 2016, quando a sua contratação pelo banco de investimento norte-americano foi anunciada. Apesar de nada se ter alterado, a Provedora vem agora recomendar que as funções de Barroso no Goldman Sachs sejam formalmente avaliadas pelo Comité Independente de Ética da Comissão, para aferir da sua compatibilidade com “as obrigações relevantes” constantes nos tratados. O’Reilly refere-se aos deveres de integridade e discrição que, de acordo com o artigo 245, não estão limitados à vigência do mandato, prolongando-se no tempo depois do fim de funções.

“Tendo em conta uma aparente acção de lobby do ex-presidente da Comissão que agora trabalha para o Goldman Sachs, a Comissão devia endossar o caso ao Comité de Ética, e depois tomar uma decisão formal sobre se o contrato de Durão Barroso respeita os seus deveres ao abrigo do artigo 275 do Tratado de Funcionamento da União Europeia”, recomenda.

Mas a Provedora vai ainda mais longe e sugere que, ao contrário do que sucedeu na altura, a Comissão Europeia venha agora a decretar uma proibição formal dos contactos com Durão Barroso durante um período de tempo alargado. “A Comissão deve considerar se não é apropriado exigir que o seu ex-presidente se abstenha de fazer lobby junto da instituição e todos os seus serviços, por um certo número de anos. Essa decisão deve detalhar as necessárias salvaguardas para o cumprimento dessa exigência”, aponta a Ombudsman.

Por causa das suas funções no Goldman Sachs, Durão Barroso não beneficia do tratamento reservado aos ex-presidentes da Comissão, tendo sido registado como um “representante de interesses” e por isso “sujeito às regras destes representantes em termos de transparência”, como garantiu o presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, para quem este é um “não-assunto”. A Comissão tem um prazo até 6 de Junho para responder a Emily O’Reilly.

Para Durão Barroso, o relatório da não passa de um “ataque pessoal político pouco velado”. O trabalho da provedora, reage, constitui uma “abordagem parcial” que deita por terra “qualquer ideia de tratamento justo”, uma vez que O’Reilly não atende nem sequer menciona os argumentos de defesa avançados por si, ou as conclusões retiradas pelo comité de ética ad-hoc que foi constituído para avaliar a sua contratação, a pedido do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.

“Observo também que não faz qualquer referência à investigação independente do OLAF [o Gabinete Europeu Anti-Fraude], que lhe foi referida na minha carta, e que não encontrou provas de infracção legal da minha parte e foi encerrada sem qualquer recomendação de acompanhamento”, critica Durão Barroso, na sua resposta por escrito ao relatório de Emily O’Reilly, onde ainda manifesta a sua surpresa pelo facto de não ter sido feitas qualquer “apreciação jurídica” das suas funções.

A polémica transição de Durão Barroso para os quadros do Goldman Sachs reacendeu após a revelação, pelo jornal EU Observer, de uma reunião que manteve em Outubro de 2017 com o vice-presidente da Comissão, Jyrki Katainen, num hotel de Bruxelas. O encontro, a sós e do qual não existe uma acta, só posteriormente foi inscrito no registo oficial de transparência, figurando como uma reunião com o banco Goldman Sachs. Depois de obter a confirmação de Katainen — que detém as pastas do Emprego, Crescimento, Investimento e Competitividade — de que o encontro serviu para discutir “matérias de política comercial”, uma coligação de organizações de defesa da transparência apresentou uma queixa, pedindo a abertura de uma investigação ao caso.

O gabinete da Provedora já tinha em mãos uma investigação às actividade de Durão Barroso como lobista do Goldman Sachs, aberta em Fevereiro de 2017 em resultado de outras queixas apresentadas por funcionários da União Europeia, dois professores de Direito e uma organização não-governamental. No seu relatório, divulgado esta quinta-feira, Emily O’Reilly tece fortes críticas ao ex-presidente da Comissão, e endossa o caso ao Comité de Ética, argumentando que só com esse gesto a Comissão Europeia poderia afastar as dúvidas e mitigar os danos para a imagem das instituições europeias que os encontros de Barroso com dirigentes da UE promovem.

“Os ex-comissários têm todo o direito a continuar a trabalhar depois de terminarem o mandato, mas como antigos funcionários públicos também têm o dever de assegurar que as suas acções não põem em causa a confiança dos cidadãos na União Europeia. O novo cargo do senhor Barroso gerou séria inquietação pública, e isso deveria ter bastado para que a Comissão avaliasse se cumpre ou não o dever de discrição”, afirma Emily O’Reilly, que responsabiliza a inacção (ou ausência de decisão) da Comissão pelos “sentimentos negativos” que o assunto levantou na opinião pública.

“No caso do ex-presidente da Comissão, a Comissão não tomou nenhuma decisão. Não incorporou em nenhuma decisão formal o seu compromisso de não realizar acções de lobby em nome do Goldman Sachs. Nem definiu, em nenhum documento formal, em que termos precisos a Comissão deveria lidar perante abordagens do ex-presidente da Comissão”, lê-se no relatório, que considera esta informalidade “especialmente preocupante” uma vez que os contactos futuros ficaram assim sujeitos à discricionariedade dos intervenientes.

Depois da polémica em Bruxelas com a reunião com Barroso, Jyrki Katainen veio desmentir que se tivesse tratado de uma acção de lobby, explicando que os dois são bons amigos que se encontraram para beber um copo e falar de assuntos pessoais. “Se alguém fez lobby, fui eu, em nome da União Europeia”, garantiu o vice-presidente da Comissão.

Na sua carta à Ombudsman, Barroso lamenta que as explicações de Jyrki Katainen de que se tratou de “uma reunião privada de natureza pessoal e que não envolveu qualquer lobbying em favor do Goldman Sachs” tenha sido ignoradas na apreciação do caso, bem como “a opinião do actual presidente da Comissão Europeia de que a reunião respeitou integralmente as regras da Comissão”.

“O Goldman Sachs também declarou publicamente que quaisquer reuniões que eu possa ter com responsáveis da UE são a título pessoal e que eu me escusou de representar o banco em quaisquer interacções com responsáveis da UE”, acrescenta Durão Barroso.

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